A extrema esquerda perde perdão: “Não vimos o ser humano”
Último chefe das FARC-EP, guerrilha colombiana, Timochenko reconheceu a responsabilidade em crimes de guerra e contra humanidade no rastro de 35.683 mortes

Rodrigo Londoño-Echeverri é o nome no registro de nascimento. Timoleón Jiménez informavam os documentos falsificados.
Atravessou os últimos 46 anos como Timochenko, seu codinome na guerrilha de extrema esquerda que devastou a vida colombiana durante cinco décadas — de 1964 até 2016, quando as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo (FARC-EP) negociaram um acordo de paz com o governo, entregaram as armas e se desmobilizaram. Uma dissidência migrou para a Venezuela, de onde dirige operações de narcotráfico.
Último chefe das FARC-EP, Timochenko encarou ontem algumas das vítimas da guerrilha comunista na primeira da série de audiências públicas do Juizado Especial para a Paz, em Bogotá.
Estava com outros seis ex-chefes guerrilheiros. Ouviram relatos de um punhado de sobreviventes dos 21 mil sequestros que realizaram. E falaram.
Reconheceram a responsabilidade em incontáveis crimes de guerra e contra humanidade no rastro de 35.683 mortes — 13,6% das 262.197 vítimas em cinco décadas de guerra civil colombiana, segundo a contagem oficial.
Até o ano passado, as FARC-EP eram classificadas como organização terrorista pelos Estados Unidos, cujo envolvimento nas operações antidrogas e antiguerrilhas transformou a Colômbia na sua principal base militar na América do Sul. Pagava-se um prêmio de US$ 5 milhões (cerca de R$ 20 milhões) pela cabeça de Timochenko. Ele escapou.
“Estamos aqui para assumir nossa responsabilidade individual e coletiva diante dos crimes mais abomináveis cometidos por nossa organização como resultado de uma política em que nossa luta foi inspirada e que levou a crimes contra a humanidade e crimes de guerra” — disse o antigo chefe das FARC-EP aos sobreviventes.
“Lamento muito que tenha acontecido o que aconteceu em nome das ideias revolucionárias” — prosseguiu. “Eu gostaria de poder dizer: ‘Eu não pedi isso, eu pedi aquilo’, porque eu não teria pedido e não posso acreditar que nossos comandantes tenham ordenado e permitido isso. Mas, a verdade é que no turbilhão da guerra, nós nos cegamos. E nunca medimos isso.”
“Vimos o uniforme e o fuzil [dos adversários em combate na selva amazônica]. Não vimos o ser humano. Honestamente, eu gostaria que a terra me engolisse. Eu, pessoalmente, não consigo encontrar uma explicação de como nos degradamos tanto na guerra, e como a dinâmica da guerra nos degradou a ponto de dar tal tratamento [às vítimas]. Eu digo, sinceramente, eu nunca entendi as correntes [no pescoço dos sequestrados 24 horas por dia].”

“Assumo aqui a responsabilidade por ter apoiado essa política e por ter concordado com o sequestro como forma de financiamento [da guerrilha]. Não consigo conceber como se ordenou manter uma pessoa prisioneira, acorrentada, por treze anos na selva, com todo o tratamento mais selvagem, indigno e desumano. Eu me pergunto: como assim? Quatorze anos, treze anos, doze anos, dez anos, um ano… É muito tempo, um tempo muito longo. E por causa de quê?”
Continuou: “Eu agradeço a vocês, porque entendo que perdoaram, mas eu sei, são feridas que jamais serão sanadas. Jamais vamos sentir o que você sentem, mas isso aqui nos dá a possibilidade de entendê-los e de perceber a gravidade do delito que cometemos. Sim, nós não vimos o significado de crime de lesa-humanidade. Não vimos o ser humano. Queríamos fazer trocas [de prisioneiros], e quando isso não foi possível seguimos cometendo crimes. Mas fizemos um compromisso, estamos aqui cumprindo e ouvindo tantas verdades que até então não conhecíamos.”
As audiências públicas do juizado especial prosseguem até sexta-feira e têm transmissão ao vivo. Timochenko agora é um ex-guerrilheiro de 63 anos, cardiologista de profissão e diabético de prontuário hospitalar, empenhado na construção do Partido Comunes, o instrumento político que os líderes da extinta FARC-EP elegeram se reconciliar com a democracia que por muito tempo combateram na Colômbia.
Essa é uma matéria exclusiva para assinantes. Se já é assinante, entre aqui. Assine para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.
Essa é uma matéria fechada para assinantes e não identificamos permissão de acesso na sua conta. Para tentar entrar com outro usuário, clique aqui ou adquira uma assinatura na oferta abaixo
Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique. Assine VEJA.
Impressa + Digital
Plano completo de VEJA. Acesso ilimitado aos conteúdos exclusivos em todos formatos: revista impressa, site com notícias 24h e revista digital no app (celular/tablet).
Colunistas que refletem o jornalismo sério e de qualidade do time VEJA.
Receba semanalmente VEJA impressa mais Acesso imediato às edições digitais no App.
MELHOR
OFERTA
Digital
Plano ilimitado para você que gosta de acompanhar diariamente os conteúdos exclusivos de VEJA no site, com notícias 24h e ter acesso a edição digital no app, para celular e tablet. Edições de Veja liberadas no App de maneira imediata.
30% de desconto
1 ano por R$ 82,80
(cada mês sai por R$ 6,90)