Se os primeiros 20 minutos não convencerem você, temos aí um caso perdido: eu não tenho argumentos melhores do que esta escalada ininterrupta de tensão para demonstrar que Segurança em Jogo (no original, Bodyguard) é um casamento perfeito de intriga, suspense e melodrama, capaz de jogar para a galera ao mesmo tempo em que esmiúça questões prementes da geopolítica. Começa na lata: no trem rumo a Londres com os dois filhos pequenos, o veterano do Afeganistão David Budd (Richard Madden, o Robb Stark de Game of Thrones, numa atuação criteriosamente discreta) e atual membro das forças de segurança da polícia percebe uma movimentação estranha e decide interferir – atitude que, ao final desses 20 minutos que transcorrem em tempo real, terá feito dele um herói dentro do alto escalão da polícia. E só dentro dele, já que, por razões várias, a identidade dele não pode ser conhecida além desse círculo. Como prêmio, Budd é destacado para ser o segurança pessoal da ministra do Interior, Julia Montague (a sempre impecável Keeley Hawes). Julia é linha-dura em matéria de segurança: foi defensora ardorosa da ação militar do Reino Unido no Iraque e no Afeganistão e está propondo um ato parlamentar que vai ampliar muito o poder do Estado para vigiar os cidadãos. Budd, um dos muitos combatentes que voltaram da guerra cheios de ressentimento, está portanto disposto a detestar Julia – que facilita as coisas, tratando-o como uma bisca. Mas…
Se há uma coisa de que o criador e roteirista-chefe Jed Mercurio manja, é dessa palavrinha, “mas”. Suspeita-se que Julia Montague esteja articulando para ganhar a liderança do Partido Conservador e o cargo do primeiro-ministro; ela tem aliados enigmáticos, e inimigos saindo de todos os cantos. Budd, que, apesar das discordâncias políticas com sua protegida, é um cumpridor escrupuloso do dever, começa a registrar coisas que não se encaixam aqui e ali – e, quando essas coisas literalmente explodem em um atentado medonho nas ruas de Londres e ele novamente tem uma atitude decisiva, guarda-costas e ministra se veem repentinamente no mesmo barco. Ou não? (A química entre Richard Madden e Keeley Hawes é intensa mas também volátil, o que deixa o caminho aberto para várias possibilidades.) Mercurio coloca em cena um sem-número de suspeitos plausíveis – entre os quais o próprio Budd – e então multiplica esse contingente com uma reviravolta absolutamente drástica entre o terceiro e o quarto episódios (são seis).
Jed Mercurio tem uma trajetória curiosa: formou-se em medicina e trabalhou em emergência hospitalar durante três anos, até se alistar na Força Aérea e, de lá, partir para a carreira de roteirista de séries como Cardiac Arrest, Bodies e Strike Back. Ele é um craque – basta conferir outra série dele disponível na Netflix, Line of Duty, sobre uma unidade da Corregedoria, a polícia da polícia (Keeley Hawes, aliás, brilha na segunda e terceira temporadas). Como drama e como investigação, Line of Duty é muito superior a Segurança em Jogo. Mas é preciso convir que Segurança em Jogo é, no conteúdo e no formato, muito mais sexy, e fez Mercurio estourar – uma notícia excelente, já que o sucesso garante seu cacife para continuar a escrever séries soberbas, como Line of Duty, ou obsessivamente assistíveis, como Segurança em Jogo, uma dessas jornadas heroicas tão clássicas, com tanto empuxo e escritas com tanta habilidade, que qualquer inconsistência ou exagero contribui para a diversão em vez de causar irritação.
Obs.: Keeley Hawes, uma dessas atrizes que parecem incapazes de errar, é casada com um dos meus atores ingleses favoritos, e a quem se pode fazer exatamente o mesmo elogio – Matthew Macfadyen, o mais irresistível de todos os Mr. Darcy (no Orgulho e Preconceito de 2005, com Keira Knightley). Eles se conheceram quando faziam uma série de espionagem que foi bem bacana nas primeiras temporadas, Spooks (exibida nos Estados Unidos como MI-5).