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Por Coluna
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O garimpo da semana: 99 Casas

Suor frio e coração em pedaços com Michael Shannon e Andrew Garfield

Por Isabela Boscov Atualizado em 12 jan 2017, 16h32 - Publicado em 6 dez 2016, 19h57

Só pelas cenas em que as pessoas irradiam desespero ao ser despejadas de suas casas, este filme (que está no NOW e, conforme o pacote, pode ser visto de graça) já seria um caso à parte: quando o agente imobiliário Rick Carver aparece à porta, acompanhado da polícia e com a ordem judicial final em mãos, deflagra-se sempre o mesmo processo – todas aquelas notificações com carimbo vermelho ignoradas durante meses, por parecerem demasiado crueis e portanto irreais, repentinamente se somam em um momento de desgraça absoluta. Mulheres tentam barrar a entrada dos policiais; homens saem correndo para telefonar para o advogado, torcendo por um milagre; crianças são empurradas para dentro, os olhos arregalados de susto; vizinhos espiam a confusão pela janela, ou vão para a calçada ver mais de perto.

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O resultado, porém, é inevitável. Cinco minutos para recolher freneticamente pela casa itens pessoais de primeira necessidade e, depois, 24 horas para resgatar os móveis e pertences que a equipe do corretor vai despejar no meio-fio. As fechaduras são trocadas no ato, as entranhas da família ficam expostas à vista de todos, a falência se torna fato de conhecimento geral. Naquela noite, e por muitas noites mais, pais e filhos vão se espremer num quarto de algum motel vagabundo, cercados de outros pais e filhos na mesma situação. Ou não. Na primeira cena, o que se vê é uma parede de banheiro decorada com a massa cinzenta de um sujeito que preferiu se matar com um tiro na cabeça a entregar sua casa. Ao celular, Rick Carver – Michael Shannon, numa atuação estrondosa (mais uma) que lhe valeu uma indicação ao Oscar de coadjuvante – reclama com alguém da trabalheira que vai ser aprontar o imóvel para a revenda.

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O diretor Ramin Bahrani, porém, tem mais em mente do que essa coreografia brutal da crise econômica e do dominó das hipotecas. Uma das primeiras pessoas que se vê passando por esse medo e humilhação é Dennis Nash, pai solteiro desempregado, muito jovem e que, apesar da aparência pouco intimidadora, tem fibra e brio – um personagem, em suma, talhado para Andrew Garfield. Dennis não perde a calma, segura sua mãe (Laura Dern), que está em pânico, inisiste em acompanhar o desmonte da casa, percebe que um dos sujeitos da equipe afanou uma ferramenta sua (ela trabalha com construção, quando tem trabalho), vai cobrar uma atitude de Rick Carver. Que, não sendo homem de deixar uma oportunidade passar, percebe que Dennis seria um acréscimo providencial à sua equipe: ele é ótimo como faz-tudo e melhor ainda no trato com as pessoas, tem iniciativa, competência e está aflito o suficiente para engolir quaisquer objeções éticas a despejar outros inadimplentes. Dennis, de fato, engole sua repugnância – e ela desce bem mais fácil com o dinheiro farto que ele começa a fazer à medida que galga mais e mais degraus na confiança de Carver. Não é dinheiro de todo honesto; Carver é o tipo de pessoa que sempre acha um jeito de transformar um negócio legal (embora horroroso) em tramoia. E Dennis é o tipo de pessoa que sempre se achou um zero à esquerda – e, de súbito, se sente valorizado.

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A trama tem algo de formulaica – Dennis vai renunciar ao seu pacto com o demônio, ou vai para o inferno abraçado com ele? –, mas não só Shannon e Garfield estão respectivamente excelentes, como tiram faísca um do outro. A direção tensa de Bahrani, cheia de ritmo e de crise, também é uma beleza. Filho de imigrantes iranianos criado na Carolina do Norte, Bahrani vem fazendo de sua carrreira uma espécie de crônica da desgraça financeira: tratou de um ex-astro paquistanês que vive de empurrar um carrinho de café pelas ruas de Manhattan (Man Push Cart, 2005), de um órfão de rua latino que sustenta a si e à irmã garimpando ferros-velhos nos arrabaldes de Nova York (Chop Shop, 2007), de um taxista senegalês e um caipira septuagenário que formam uma amizade frágil mas intensa em Adeus (2008). Em A Qualquer Preço, de 2013, ele tomou uma trilha diferente – é a história de um pai e um filho que divergem acerca do que seja o jeito certo de ganhar (e gastar) dinheiro – para chegar na mesma reflexão central: na hora do aperto, quais são as coisas que uma pessoa aceita, e quais são aquelas a que ela diz “não”? A resenha de A Qualquer Preço foi uma das últimas (se não a última) publicadas por Roger Ebert antes de sua morte, e nela Ebert dizia que Bahrani é um dos grandes diretores americanos dos últimos anos. Concordo com ele: Bahrani, que está com 41 anos, vem aumentando a voltagem a cada trabalho, e agora, em 99 Casas, quase dá para sentir o cheiro que tem o desespero quando ele brota.


99 CASAS
(99 Homes)
Estados Unidos, 2014
Direção: Ramin Bahrani
Com Andrew Garfield, Michael Shannon, Laura Dern, J.D. Evermore
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