Se estivesse vivo, o grande Stan Lee completaria nesta quarta-feira, 28 de dezembro, 100 anos de idade. Ele chegou perto. O quadrinista mais famoso do mundo se aproximava do aniversário de 96 anos, em 2018, quando morreu vítima de uma parada cardíaca. Teve tempo, ainda bem, de testemunhar a força de sua criação – e espiar a importância do seu legado. Lee foi co-criador de muitos dos super-heróis que hoje dominam a cultura pop, do Quarteto Fantástico ao Homem-Aranha, passando por Pantera Negra e pelo Homem de Ferro, entre outros. O próprio, aliás, teve uma jornada do herói digna de filme.
Filho de judeus imigrantes da Romênia, Lee cresceu em um pequeno apartamento com a família em Nova York e começou a trabalhar cedo. Durante a adolescência, teve diversos empregos, entre eles foi entregador de lanchonete, lanterninha e office boy. Seu sonho sempre foi ser escritor — ou ator —, planejava lançar romances, poesias ou trabalhar com roteiros de cinema. Aos 16, foi contratado como assistente da editora Timely Comics – que mais tarde seria rebatizada de Marvel Comics. Seu trabalho era o de um “faz tudo”: varria, servia café, entregava encomendas e esvaziava cinzeiros.
Sua primeira chance de escrever uma história foi com o Capitão América: Stanley assinou o conto Capitão América Desbarata a Vingança do Traidor. Aos 18, já era editor de HQs. Em 1942, aos 20, se alistou no Exército americano — em consequência ao ataque japonês à base de Pearl Harbor, um ano antes. Em campo, sua aptidão para a escrita foi descoberta e utilizada pelos militares. Ele se tornou responsável por criar cartazes sobre prevenção de doenças para os soldados, além de manuais em forma de quadrinhos para operação de armamento e para o setor administrativo. Na época, assinando como soldado Stan Lee, continuou a escrever os roteiros de Capitão América. As vendas do herói explodiram com o desenrolar do conflito mundial. Em 1943, cerca de 25 milhões de exemplares do personagem eram vendidos por mês.
Se a II Guerra aumentou a busca por HQs, o pós-Guerra motivou um movimento contrário. Em meio a uma caça ideológica, que via nas tramas um incentivo à violência juvenil, os quadrinhos perderam a popularidade. Editoras faliram. Lee planejou mudar de profissão e pedir demissão. Aos 38 anos, em 1961, ele recebeu uma encomenda do dono da Marvel, que pedia por uma história com uma trupe de heróis, inspiração que teria vindo da recém-criada Liga da Justiça, da concorrente DC Comics. O caminho mais fácil seria unir os heróis já existentes na casa. Porém, Lee criou, com a ajuda de Jack Kirby, o Quarteto Fantástico. Começava então uma nova fase para o quadrinista, claramente mais maduro e antenado com o momento político do mundo.
Seus personagens eram heróis imperfeitos, inseguros e moralmente ambíguos. Muitos serviam de alerta para os perigos de um possível conflito nuclear, em plena Guerra Fria, ou faziam uma alusão ao racismo, quando os Estados Unidos viam crescer o movimento pelos direitos civis dos negros. Nasceram então nomes como o playboy armamentista Homem de Ferro, o deus nórdico e mimado Thor, o instável Hulk, o nerd Homem-Aranha (picado por uma aranha radioativa) e o supertime de mutantes X-Men – com mensagens claras sobre tolerância entre os diferentes.
A partir dos anos 80, Stan Lee se dedicou a levar seus heróis para o cinema. Uma tarefa inglória que só começou a vingar a partir dos anos 2000, com as adaptações de X-Men e a primeira trilogia do Homem-Aranha. Eventualmente, Lee se tornou um dos produtores de cinema mais bem-sucedidos da história. Sua obra continua vivíssima – e sem prazo para deixar o topo do mundo, seja no cinema, na TV e na literatura.