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Por Raquel Carneiro
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Julie Taymor, de ‘O Rei Leão’, a VEJA: ‘A Broadway de hoje é preguiçosa’

Pioneira responsável pelo musical que chega a São Paulo em 20 de julho, diretora marca trabalhos no teatro, cinema e ópera com sua assinatura inconfundível

Por Thiago Gelli Atualizado em 31 jan 2024, 16h29 - Publicado em 18 jul 2023, 12h27

Em novembro de 1997, a americana Julie Taymor subiu ao palco do Teatro Minskoff, na Broadway, para participar dos agradecimentos finais pelo musical de O Rei Leão. Diretora e figurinista do espetáculo, ela logo se tornaria a primeira mulher a vencer o Tony de direção, troféu máximo do teatro americano, além de ser também premiada pelo trabalho empenhado nos fantoches e máscaras utilizados pelo elenco do musical. Ao todo, o espetáculo acumulou seis estatuetas, mas a maior validação de seu êxito viria com o tempo: em cartaz há mais de 25 anos, ele é, atualmente, a peça mais duradoura de Nova York, e se consagrou o produto de entretenimento mais lucrativo do mundo após gerar mais de 6 bilhões de dólares. 

Mais surpreendente que seu sucesso comercial, porém, é a mise-en-scéne do trabalho, marcada pela assinatura de Taymor, artista devota à ópera, ao cinema de protesto realizado em Frida e Across The Universe e às tradições do teatro mascarado indonésio. Quando convocada para trabalhar na adaptação da Disney, ela nem mesmo havia assistido à animação de 1994, mas aceitou a proposta sob a condição de que pudesse realizar sua visão artística sem se prender ao design prévio dos personagens — rota comercial mais óbvia. Hoje, a diretora de 70 anos faz parte da produção que traz o espetáculo de volta ao Teatro Renault, em São Paulo, a partir de 20 de julho, quinta-feira, e concedeu entrevista a VEJA sobre a nova montagem, sua carreira e a crise que assola a classe artística americana.

O Brasil contém a maior população negra fora da África, além de um rico histórico folclórico, que também é tema de sua versão de O Rei Leão. Montar o espetáculo, aqui, é diferente de outros lugares no mundo? Precisamente. A origem de muitas das pessoas daqui é africana e, claro, Lebo M, um dos compositores, é sul-africano, além de termos 11 atores do continente africano dentro da montagem em São Paulo. A música e o estilo do coral são específicos, então temos muito orgulho de que, para quase todos os lugares que visitamos, levamos um contingente de artistas da África. No caso do Brasil, montamos um elenco diverso que mistura diferentes etnias e religiões — o Candomblé, inclusive, ajuda na compreensão do poder de Rafiki [mandril que, tanto na animação quanto no palco, dispõe de habilidades místicas]. Quando visitei o Museu Afro Brasil, em 2013, me senti muito tocada. Está tudo conectado. Além disso, o país tem uma ótima população no quesito musical e vocal. Trabalhei com Caetano Veloso e Gilberto Gil, que traduziu as letras, e vejo claramente a conexão direta que o material tem ao povo daqui.

Além de Rei Leão, a senhora dirigiu o musical Homem-Aranha, cuja ambição era levar os quadrinhos da Marvel ao palco. Conflitos com produtores, no entanto, impediram a completude do seu trabalho. Como é equilibrar sua própria ambição artística com o comando de estúdios e corporações por trás destas histórias? Acredito que Homem-Aranha seja fenomenal, mas as pessoas não estavam prontas para olhar para o conteúdo. Quando trabalhei com este espetáculo, o público focou nas pessoas envolvidas, especialmente a dupla Bono e The Edge, e não tínhamos produtores reais devido a mortes na equipe e à crise financeira. Eu amava o que estava fazendo, mas por essas e outras, não consegui finalizar meu trabalho autoral. Não posso chamar de meu o resultado. Eles emburreceram minha versão, acreditando que o público era estúpido e não aguentaria uma visão nova, quando sempre há algo de novo a se fazer com os quadrinhos da Marvel. O problema foi que tínhamos a equipe errada. 

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Foi um caso isolado, ou observa mais obstáculos como esse na indústria? Acredito que estamos em uma crise no momento, já que em Hollywood apenas se regurgitam propriedades intelectuais que já existem. Até mesmo na televisão, você está assistindo à mesma história de novo e de novo. No momento, tenho um projeto que quero levantar, mas o retorno que recebo de produtores é que, apesar de amarem o roteiro, é original demais. A palavra “original” se tornou negativa, porque as pessoas estão com medo de realizar coisas diferentes. É uma ideia completamente maluca, já que ninguém sabe o que faz algo se tornar um sucesso.

Na sua opinião, como se constrói um hit? A chave é realizar algo bem feito, mesmo que aquilo não seja previamente conhecido. Antes de O Rei Leão, nunca havia feito teatro comercial, apenas óperas como Édipo Rei, com Jessye Norman, e peças fora do circuito da Broadway, que, apesar de grandes, não tinham o intuito de vender. Obtive sucessos como minha versão da Flauta Mágica, que é apresentada há 15 anos na Metropolitan Opera de Nova York — mas não é porque simplifiquei e facilitei as coisas para o público, muito pelo contrário. Minha expressão favorita é: “Leve as pessoas a lugares que não sabiam querer conhecer”. O mesmo vale para mim: fiz coisas em Homem-Aranha que ninguém havia tentado antes, para o bem e para mal. Não nos deram tempo o suficiente para afinar, e fomos cercados por tubarões. É uma pena, já que a beleza e o potencial de grandiosidade existiam.

Tanto no teatro como no cinema, a senhora advoga pela artificialidade e convida o público a suspender a descrença frente à ficção. Como, então, a dominância de efeitos especiais realistas, até no live-action de O Rei Leão (2019), a faz se sentir? Em meu filme Frida, as pinturas ganham vida, e em As Vidas de Glória explorei a ideia de surrealismo subjetivo. É verdade que, caso a história permita realismo, o cineasta deve utilizar o meio de todas as formas, mas isso inclui estilo além de efeitos especiais. Sei que animações japonesas surreais, por exemplo, são muito amadas, ou mesmo videogames que não se prendem ao puro fotorrealismo. Wes Anderson é um perfeito exemplo de alguém que atinge sucesso com fantoches, animação e um trabalho de câmera característicos. Ele não tem a mesma audiência que Avatar, mas tudo bem. Quando eu estava crescendo como artista, era, na verdade, negativo se importar com números de bilheteria. Quem pensasse nisso deveria se envergonhar, já que não é a receita que define o que é de sucesso ou não: se houver público e potencial para longevidade, é o bastante. As coisas demoram para pegar. Eu sou responsável pelo espetáculo de entretenimento mais rentável da história, mas ele também já foi o mais experimental — ninguém pensava que poderíamos fazer o que fizemos, mas funcionou, porque as pessoas desejam algo novo, não importa a idade que tenham.

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Não posso deixar de perguntar sobre a greve dos atores em Hollywood, que acaba de se juntar à paralisação dos roteiristas. Como a senhora encara este momento? A inteligência artificial é perigosa, mas talvez os estúdios aprendam sua lição em breve, já que ela só é capaz de criar o que já existe, ou seja, bagunçar referências de um jeito novo, sem ter qualquer ideia original. Isso por si só forçará a concepção de trabalhos refrescantes e inovadores. No momento, sinto que a televisão e peças da Broadway têm se tornado preguiçosas e contam a mesma história da mesma maneira. O Rei Leão não foi criado do nada, mas nosso estilo é próprio. Quanto aos streamings, me espanto com a ganância e sigilo. Não tenho ideia de quantas pessoas assistiram a As Vidas de Glória (Amazon Prime Video), já que a plataforma não disponibiliza a informação. Eles não querem que atores saibam do alcance para evitar pagamentos adicionais. É, na verdade, óbvio: não se deve arrancar o trabalho e a vida das pessoas — mas existem muitas coisas que humanos fazem mesmo quando não devem.

O Rei Leão a tornou a primeira mulher a vencer o troféu de direção do Tony em 1998. Desde então, a senhora observou mudanças no cenário? Não estou tão inserida na comunidade, mas sei que existem diversas jovens diretoras por aí, o que é bom. Existem, também, mais delas realizando filmes pelo mundo — alguns, inclusive, são dos melhores que já vi, mas não receberam a devida atenção. Vindo para o Brasil, assisti a um filme do Tom Cruise no avião, e foi bem divertido. Agora, ele é melhor dirigido que todas as histórias criadas por mulheres? De jeito algum. Entendo que homens se identifiquem com seu próprio universo, mas nós assistimos filmes masculinos desde sempre. Se conseguimos apreciá-los, eles também têm que fazer o mesmo. Quando meu parceiro assistiu Red: Crescer é uma Fera, ele não reclamou de não se identificar com adolescentes e menstruação. Fiz As Vidas de Glória com isso em mente. Nele, conto a história de mulheres trabalhando juntas, não brigando ou competindo entre si, e todos os homens ao meu redor se conectaram mais ainda ao filme pela oportunidade de observar este tipo de relacionamento entre o sexo oposto. Não faço “filmes de menina”, só faço filmes.

Musicais como Frozen e A Pequena Sereia transpõem elementos diretamente do cinema para o palco, mas a senhora se dedicou a criar uma estética própria para sua versão de O Rei Leão. Por que não optar pela alternativa mais fácil? Não me contrataram para isso, sou uma escultora e conhecem meu trabalho. Caso não pudesse tomar minhas liberdades, não teria aceitado a proposta. Até o logo do musical foi criação minha, inspirado em estátuas japonesas e africanas de madeira. Construí todas as máscaras e fantoches, e tudo tem minha assinatura, sem dispensar a essência dos personagens. Desse jeito, não sinto que perdi minha arte, nem a Disney sente que perdeu sua obra.

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