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Por João Batista Oliveira
O que as evidências mostram sobre o que funciona de fato na área de Educação? O autor conta com a participação dos leitores para enriquecer esse debate.
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Avanços na educação dependem de recriação do MEC

O governo que sai deixa um rastilho de pólvora camuflado pelas asas do “grande consenso” criado na área de educação.

Por João Batista Oliveira Atualizado em 2 jan 2019, 13h51 - Publicado em 31 dez 2018, 14h27

Em contraste com sua habitual lentidão em dar respostas aos graves problemas que assolam a educação do país há décadas, o MEC deu uma demonstração de extraordinária agilidade ao produzir, nos últimos meses, uma enxurrada de decretos, portarias e outros atos administrativos. É sempre difícil analisar intenções, mas no caso parece claro que houve um açodamento para criar fatos consumados, reduzindo o espaço para a próxima gestão mudar o rumo das coisas.

Entre as questões graves que foram objeto de canetadas encontram-se decisões importantes sobre a BNCC, ensino médio, reformulação do ENEM e até mesmo sobre a matriz de avaliação do SAEB. Além disso, o MEC fez jorrar milhões de reais para que estados e municípios “elaborassem” – mediante procedimentos virtualmente idênticos – suas “propostas próprias” para implementar a BNCC, sempre usando referências patrocinadas pelo próprio Ministério. Basta verificar os procedimentos utilizados e os resultados para entender que se trata de maquiagem superficial, embora com alto custo. No mesmo açodamento, foram encomendados novos livros didáticos para uma BNCC ainda não adequadamente assimilada e eivada de graves problemas. Também foram anunciados diversas iniciativas e investimentos em “inovações” de natureza duvidosa.

Os exemplos acima referem-se à substância das políticas. Dentre as iniciativas recentes, dois episódios chamam a atenção pela forma de condução da política educacional: uma delas ilustra a forma de reação do MEC a resultados negativos, como no caso do estudo da OCDE sobre o sistema de avaliação do ensino superior; a outra aponta para a estratégia de cooptação de “aliados” para avaliar as políticas públicas do MEC – como é o caso da “rede para promover a educação baseada em evidências”.

O primeiro episódio refere-se à atitude do MEC em relação a um recente relatório da OCDE encomendado pelo MEC/INEP. O relatório conclui que o sistema de regulação e controle de qualidade do ensino superior brasileiro é caro, inócuo e precisa ser implodido – como condição preliminar para ser repensado. Algumas dessas ideias, é verdade, já vinham sendo debatidas dentro do próprio Ministério, mas sem avançar. O MEC pressionou como pode a OCDE para adiar a publicação até o apagar das luzes, conseguindo, dessa forma, evitar o debate durante a finda gestão. O que chama atenção é a atitude do Ministério diante de evidências que não são de seu interesse. E isso nos leva ao segundo episódio.

Trata-se da criação de uma “rede para promover a educação baseada em evidências”. O MEC também criou uma “Assessoria Estratégica de Evidências”, sediada no Gabinete do Ministro. A rede foi criada por portaria e já conta com mais de uma dezena de apoiadores, conforme consta no site da mesma. Mas há algo muito estranho no caminho – e que é necessário analisar. No site da “Rede evidências” é dito que a rede é “um espaço institucionalizado de diálogo e colaboração entre o MEC e pesquisadores, instituições públicas e privadas, alinhadas com o interesse público e com as diretrizes das políticas educacionais do MEC”. E o pedido de filiação deve ser aprovado por instâncias burocráticas.

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Vale perguntar: por que criar um novo espaço para isso – se existe a imprensa, as universidades, as instituições não-governamentais independentes ou o próprio INEP?  Como comprovar que uma pessoa ou instituição está alinhada com o interesse público? Exigir que um pesquisador ou instituição esteja alinhado com as diretrizes educacionais do MEC não conflitaria, diametralmente, com a própria ideia de avaliação independente e baseada em evidências?

E mais: por que o MEC só no apagar das luzes começa a se interessar pelo tema, quando pesquisadores vêm há anos tentando mostrar como a maioria das políticas e práticas do MEC não se baseia em evidências? Um caso recente foi o descaso do MEC em debater os custos do PNE. Outro se encontra no documento que analisa a proposta de alfabetização da BNCC. Para que criar novos foros, se os canais existentes não são ouvidos? Discutir questões metodológicas no gabinete do Ministro? Por que não em instituições como o INEP? Aqui não há espaço para ingenuidade ou para interpretações brandas do texto supra-citado – como disse Pilatos, “quod scripsi, scripsi” (o que escrevi escrito está). Aqui o MEC se desnuda. E o que aparece é muito feio.

No referido site, já aparece o nome de várias instituições que aderiram e/ou foram aprovadas nessa “ação entre amigos”. Mais preocupante que os desacertos do governo – pois este está de saída – é indagar a respeito da motivação de quem adere. Também aqui não há espaço para ingenuidade. Por que uma ONG independente, uma instituição acadêmica séria ou um pesquisador interessado em evidências precisa estar “alinhado” com as diretrizes das políticas educacionais do MEC para buscar ou discutir evidências? A quem interessam evidências chapa-branca? Que instituição séria precisa desse tipo de chancela para buscar evidências? Ou o que se busca é dar acesso privilegiado a determinados grupos e pessoas? Claro que há o risco de ficar “por fora da panelinha” – mas este não é o risco de todos que optaram pela independência e liberdade de expressão?

Se o MEC está efetivamente interessado em submeter suas decisões, planos e programas às evidências, existem mecanismos clássicos de fazê-lo, por meio de editais que estimulam a concorrência e não exigem atestado de fidelidade ideológica de seus proponentes.

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Parece detalhe, mas quem é do ramo sabe que não é. Formou-se no Brasil um gigantesco consenso em torno de ideias equivocadas a respeito de como promover a melhoria da educação. São exemplos disso o PNE – Plano Nacional da Educação, aprovado com unanimidade no governo petista, e a BNCC, aprovada no governo atual com um pouco menos de unanimidade, mas usando mecanismos semelhantes de cooptação, pressão e “formação de consensos” – e, diga-se de passagem, sem qualquer preocupação com evidências ou com custos, como no caso do PNE.

O novo governo foi eleito para mudar o país. O governo que sai deixa um rastilho de pólvora camuflado pelas asas do “grande consenso”. Aposta, com grande chance de êxito, na incapacidade do novo governo de desmontar, num curtíssimo prazo, o arsenal de atos, iniciativas, programas e compromissos assumidos nos últimos meses. Isso daria tempo para criar fatos consumados e deixar tudo como está.

O novo governo se comprometeu a promover uma profunda mudança no modo de governar, sob inspiração de princípios liberais. A prudência recomenda, no mínimo, uma moratória para permitir uma revisão judiciosa de decisões sobre temas tão importantes para o futuro da educação. Nada seria mais oportuno para um governo liberal do que adotar as sugestões de Schumpeter a respeito de destruição criativa. O MEC é um excelente candidato para esse exercício. Ficar só na primeira parte da ideia de Schumpeter já ajudaria muito – quem sabe um novo Fênix renasce de suas próprias cinzas. Aí sim, teremos um Feliz Ano Novo!

 

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