O general Eduardo Villas Bôas não estava delirando nem pregando quando apontou a possibilidade de perdedores virem a contestar a legitimidade da eleição presidencial como fruto da radicalização eleitoral. O comandante do Exército gerou polêmica, mas fazia apenas uma constatação.
Diga-se, baseado em evidências de autoria civil: a palavra de ordem petista segundo a qual “eleição sem Lula é golpe”, agora em descanso (temporário?) no arquivo, a desconfiança manifestada e reiterada de Jair Bolsonaro na eficácia das urnas eletrônicas no tocante à lisura do resultado e, mais remotamente, a auditoria pedida por Aécio Neves em 2014 logo após a derrota para Dilma Rousseff.
A inquietude com assuntos de golpes e fraudes não saiu, pois, de um cardápio elaborado pelo general, nem partiu dele, muito menos das Forças Armadas como corporação, o plantio da suspeita na cabeça do eleitorado de que conspirações estão sempre à espreita, prontas para dar o bote.
Quem as incentiva é justamente a parcela da chamada sociedade civil (aí incluídos setores importantes da imprensa) que parece referida na busca por emoções regressivas e, com isso, abre espaço para gente como o vice de Jair Bolsonaro, general Hamilton Mourão, que defende teses completamente fora da realidade brasileira, quiçá mundial.
Mourão fala em autogolpe executado a partir da vontade do Executivo, em Constituinte sem a participação de eleitores e, com isso, acende alertas e temores. O.k., mas alguém viu por aí algum militar dar eco a esse tipo de coisa que antigamente a gente chamava de ronco da reação? Na época, com a ditadura ainda nos calcanhares da democracia recentemente restaurada, tal receio fazia algum sentido. Hoje faz nenhum.
Quando o despotismo se abateu sobre o Brasil, o mundo vivia um momento muito diferente, América Latina e Estados Unidos movimentavam-se sob outros parâmetros. Na atualidade, nosso entorno regional produz repúdios ao autoritarismo, e os conterrâneos do Norte estão mais preocupados com seus problemas internos no tocante a ataque sistemático aos valores democráticos do que em “salvar” a nós do Sul dos males do autoritarismo.
O perigo não reside nos militares, cujo peso das manifestações é nulo do ponto de vista prático. O risco está nas mãos dos civis e suas interações radicalizadas de posições que estão levando o Brasil a adotar a lógica da opção eleitoral por exclusão. A melhor e a mais rápida maneira de cair na armadilha da escolha entre extremos. Notadamente nestes nossos tempos que requereriam a prevalência da maré mansa sobre a guerra de extremidades em que o cenário do pior é equivocadamente tido como o melhor para o Brasil.
Em meio ao nevoeiro, o razoável, como diz a música sob o prudente ensinamento de Paulinho da Viola, é levar o barco bem devagarinho e desse modo fazê-lo chegar a um porto o mais seguro possível. Isso significa também deixar os militares postos em sossego fora dessa canoa furadíssima em que já embarcaram, na qual afundaram e cujo desastre só se loucos pretenderiam repetir.
Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601