O envio ao Congresso de duas propostas da maior importância para o país, a reforma da Previdência e as medidas relativas à segurança pública, salvou o governo de ficar refém da lama remexida por Jair Bolsonaro & filhos no episódio que resultou na demissão de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência.
Diante da seriedade e urgência dos temas, o forrobodó foi deslocado para segundo plano. O problema é que não saiu de cena, dada a vocação do presidente para misturar administração governamental com gerência de questões familiares. Se Jair Bolsonaro tem controvérsias com os filhos decorrentes da separação da mãe dos três e busca resolvê-las sendo permissivo diante da atuação deles, o Brasil não tem nada a ver com a história da família e muito menos precisa pagar o preço por isso.
Como ocorre em todos os governos envolvidos em crises, o atual tenta dar por “virada a página” por decreto de vontade. Não controla, contudo, as sequelas que talvez não atuem diretamente sobre a votação da reforma da Previdência, mas por certo terão influência sobre a relação do mundo com o governo.
Hoje a incerteza é geral. Entre parlamentares, no mercado financeiro, no meio dos militares protagonistas da nova ordem e na própria sociedade, considerando que muitos eleitores de Bolsonaro desaprovam a condução do presidente no episódio que acabou com a demissão de Bebianno.
Há um clima de desconfiança e de incerteza sobre o processo mental e a sistemática de atuação do presidente, por enquanto seguindo padrões absolutamente fora dos habituais, não necessariamente eficientes por serem novos. Bolsonaro tende a desprezar as críticas tomando por base o fato de ter sido eleito a despeito delas.
O presidente ignora que uma coisa é uma corrida de fôlego curto como a campanha, outra bem diferente é a prova de longa distância (quatro ou oito anos) do governo. Esse tipo de ignorância faz mal à saúde dos que exercem o poder e, por extensão, à dos que são por eles comandados. Urge, portanto, uma correção de rumos.
O foco não são os “memes” de internet, mas a realidade. Tão real quanto a possibilidade de qualquer um dos filhos do presidente sentir-se tão poderoso que possa atacar ministros como Paulo Guedes e Sergio Moro (os pilares de razoável seriedade da administração) é a hipótese de o presidente inviabilizar-se por falta de sustentação de conteúdo consistente no governo.
Em palavras mais diretas: o perigo real que corre o país é esses rapazes, ora autorizados pelo pai, arrumarem uma confusão com os ministros da Economia e/ou da Justiça. Os dois têm vida própria, nenhum deles deve coisa alguma a ninguém e podem sair no momento que lhes for conveniente. Por menos, quando houve um estremecimento em torno de declarações sobre o IOF, Paulo Guedes se recolheu. Sergio Moro tampouco se aliou a disputas perdidas.
Se os filhos de Bolsonaro fizerem investidas com as quais não podem se confrontar, muito menos administrar, eles vão pôr a perder o governo do pai, a chance única de poder e o sonho que jamais sonharam ver realizado.
Publicado em VEJA de 27 de fevereiro de 2019, edição nº 2623
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