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Dias Lopes

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Vocês querem bacalhau?

Há trinta anos morria Chacrinha, o divertido comunicador da TV lembrado pelo apreço ao peixe salgado e desidratado que o Brasil inteiro aprecia

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 10 out 2018, 14h34 - Publicado em 10 out 2018, 13h52
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  • Muitas peças de bacalhau encalharam nas lojas das Casas da Banha e os donos da grande rede nacional de supermercados (chegou a ter 230 lojas), com sede no Rio de Janeiro, pediram socorro ao comunicador da televisão José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha (1917-1988). Afinal, patrocinavam seu divertido programa de TV. Saiu da cabeça do espirituoso comunicador a solução para o problema.

    Chacrinha pediu às Casas da Banha peças inteiras de bacalhau e passou a arremessá-las no auditório, como se fossem bumerangues sem volta. Enquanto atirava o peixe salgado e desidratado, gritava um dos seus famosos bordões: “Vocês querem bacalhau?”. As peças foram disputadas no braço pela plateia enlouquecida e a repercussão do espetáculo fez com que o encalhe das Casas da Banha sumisse.

    O incansável comunicador estava na TV Tupi, onde estreou em 1956 com o programa “Rancho Alegre”; e ali também apresentou a “Discoteca do Chacrinha”. A seguir, mudou para a TV Rio e, em 1967, a Rede Globo o contratou. Além da “Discoteca do Chacrinha”, apresentava o programa “Buzina do Chacrinha”, de calouros. Ele provocava os candidatos: “Vai para o trono, ou não vai?”. Cinco anos depois, Chacrinha retornou à Tupi.

    Em 1978, foi para a TV Bandeirantes e, em 1982, voltou à Globo, onde permaneceu até o fim da vida, fundindo seus dois programas em um só, intitulado “Cassino do Chacrinha”. Ele fazia o Brasil inteiro rolar de rir, ser feliz (e saber que era) nas tardes de sábado. Em 2018, relembramos os trinta anos da morte do maior comunicador que a televisão brasileira já teve.

    Um detalhe importante é que Chacrinha adorava bacalhau, saboreando-o tanto em casa como no restaurante Antiquarius, do Rio de Janeiro, que costumava frequentar. Aparecia-o acompanhado de colegas de trabalho e de amigos diletos. Pedia o bacalhau “nunca chega”, receita improvisada para o rei português Dom Carlos I (1863-1908), no dia em que ele chegou de surpresa a um dos seus palácios e havia na despensa poucos mantimentos estocados.

    Um dos maîtres do Antiquarius, Francisco Nonato Santos, o Serra, hoje trabalhando no restaurante A bela Sintra, de São Paulo, atendeu Chacrinha muitas vezes. Quando ia servir o prato, o apresentador habitualmente pegava seu braço e dizia brincando: “Pode servir tudo, você não vai levar minha comida embora, não”.

    Serra guarda as melhores recordações do cliente Chacrinha. “Quem não o conhecia pessoalmente e o ouvia falar assim, achava que se tratava de um sujeito grosseiro”, lembra. “Mas ele tratava bem os outros. Brincar era o seu jeito”. Outro prato do Antiquarius apreciado pelo apresentador: ”arroz de frutos do mar”.

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    O maître ainda lembra de vê-lo acompanhado de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Em uma das vezes, Chacrinha foi alfinetado, no Antiquarius,  pelo parceiro de mesa, na época o principal executivo da Rede Globo. Estranhava que o apresentador sempre pedisse coentro para colocar na comida. Ao gosto de Boni, paulista de Osasco, o tempero extra “estragava qualquer prato”.

    Pernambucano de Surubim, Chacrinha rebateu. Sustentou que, além de saboroso, “o coentro favorece a saúde, ajuda a controlar o colesterol e melhora a digestão”. Em seguida, o apresentador virou o rosto para Serra e perguntou: “De onde você é, meu filho?”. O maître respondeu ser do Ceará, portanto nordestino, e o apresentador comemorou vitorioso: “Então, você também gosta de coentro e sabe que faz bem!”. Boni pareceu contrariado, mas ficou em silêncio. O coentro é pouco amado pelos paulistas.

    Chacrinha foi autor de uma frase antológica: “Na televisão, nada se cria, tudo se copia”. Mas lançou em seus programas novidades da música brasileira como Roberto Carlos, Raul Seixas, Perla e Paulo Sérgio. Em 1969, foi chamado de “Velho Guerreiro” na canção “Aquele Abraço”, de Gilberto Gil, composta e lançada em 1969 como single, pouco antes do compositor e cantor baiano ir para o exílio político em Londres, nos tempos do Regime Militar. O apelido carinhoso pegou.

    Link da canção “Aquele Abraço”:

    https://www.youtube.com/watch?v=zFGMLQ3q15c

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    Um bordão contumaz do Velho Guerreiro era “Alô, alô, Terezinha!”. Foi igualmente citado na canção “Aquele Abraço” e intitulou o documentário dirigido por Nelson Hoineff, que ouviu os depoimentos de Roberto Carlos, Beth Carvalho, Fábio Junior e outras figuras da nossa música popular. Terezinha não era uma pessoa, mas uma palavra escolhida pela sua sonoridade, para substituir Clarinha, a marca da água sanitária que tinha patrocinado seu programa. Ajudava a criar um clima burlesco, junto com o protagonismo caricato de jurados como Aracy de Almeida, Rogéria, Carlos Imperial, Elke Maravilha e Pedro de Lara, por exemplo.

    Outro adereço do programa de TV do Velho Guerreiro eram as chacretes – coristas que rebolavam o bumbum no palco, com roupas consideradas ousadas na época, e acompanhavam as músicas, turbinando o clima geral. Receberam da produção nomes chamativos, que carregaram pela vida afora: Rita Cadillac, Índia Amazonense, Fátima Boa Viagem, Suely Pingo de Ouro, Fernanda Terremoto etc.

    Sem contar que Chacrinha arremessava os bacalhaus vestido de palhaço, incendiando coreograficamente o palco. Nos últimos tempos, apresentava-se de cartola, fraque vermelho e completava o modelito usando uma buzina, com a qual fazia barulhento fom-fom. Já havia aparecido em público de Napoleão Bonaparte, D. João VI, gladiador romano, marajá, marinheiro, índio e bacalhau. Enfim, fantasiava-se com tudo o que lhe desse na veneta. O importante era chamar a atenção. “Quem não comunica, se trumbica”, sentenciava o comunicador.

    Seu apreço pelo bacalhau ficou para sempre, pois Chacrinha encarnava uma paixão brasileira. Foi o pregoeiro de um alimento que chegou ao Brasil em 1500, nos porões das embarcações de Pedro Álvares Cabral, cujo consumo era controlado pelo despenseiro, tamanha a sua importância. Na verdade, o bacalhau só passou a ser consumido pela população nacional a partir de 1808, quando D. João VI e a corte portuguesa mudaram para o nosso país, fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte, que invadiam Portugal.

    Na época, entraram em moda na corte carioca três pratos do além-mar à base do peixe salgado e desidratado. Eram o “bacalhau assado nas grelhas”, “à bechamel” e “à provençal”. Compunham as receitas do livro “Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinha”, lançado em Portugal no ano de 1780, pelo francês Lucas Rigaud, chef contratado por D. Maria I, mãe de D. João VI, aliás vinda com o filho para o Rio de Janeiro.

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    Portanto, aprendemos a comer bacalhau com os portugueses. Na época, era obrigatório na Quaresma – o período que se inicia na Quarta-feira de Cinzas e termina no Domingo de Ramos, anterior ao Domingo de Páscoa – e nos dias de abstinência de carne, estabelecidos pela Igreja Católica. Impossível relacioná-los todos aqui! Segundo L. Jacinto Garcia, no livro “Comer Como Deus Manda” (Editorial Notícias, Lisboa, 2000), “os dias de abstinência de carne ocupavam quase metade do ano”.

    Nos séculos de maior rigor penitencial, além das inúmeras datas religiosas, os fiéis se submetiam à restrição em três dos sete dias da semana: quarta-feira, sexta-feira e sábado. E dê-lhe que te dê-lhe peixe, sobretudo bacalhau, por ser salgado e desidratado, aguentar o transporte a lugares distante, ser versátil na cozinha e muito saboroso.

    Os portugueses também nos legaram a tradição de saborear bacalhau na festa do Natal, por muito tempo circunscrita à população carioca. O restante do país comemorava a data cristã comendo peru, pato, cordeiro e frango capão. Hoje, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, o bacalhau vai à mesa na ceia do Réveillon, com outros pratos, por diferentes significados. Saboreá-lo na noite de 31 de dezembro traria boa sorte no ano que começa. É igualmente um prato da mesa do domingo e dos eventos familiares.

    O bacalhau fez tanto sucesso que o Brasil já o importava oficialmente da Noruega em 1843. Só mais tarde o peixe também viria do Canadá e Alasca, porém sempre em volume menor. Desde então, costumamos prepara-lo seguindo receitas lusitanas e as que foram desenvolvidas aqui. Só no livro “Dona Benta – Comer Bem” (Companhia Editora Nacional, São Paulo, SP, 2003) há 15; já “O Grande Livro da Cozinha Maravilhosa de Ofélia” (Companhia Melhoramentos, São Paulo, SP, 1998) traz 14.

    As duas obras, muito populares, ensinam o preparo de um bacalhau com leite de coco, por exemplo, com jeito e aroma baianos. Têm em comum o acréscimo de pimentão, cebola, alho, tomate, pimenta-do-reino e cheiro verde. Entretanto, a receita de “O Grande Livro de Ofélia” difere por incorporar batata cozida, louro e coentro, o tempero favorito de Chacrinha.

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    Entre todos os pratos criados no Brasil, um alcança o patamar da excelência. Sua invenção envolve um cidadão português. Chamava-se Armando Soares dos Reis. É o “bacalhau à Mia”. Surgiu em São Paulo na segunda metade do século passado. Homenageia a brasileira Guilhermina Reis, a Mia. Ela inventou a receita ouvindo o palpite do marido, Armando Reis, um português de paladar afiado e anfitrião impecável, importador de vinhos e alimentos. O “bacalhau à Mia” agora é preparado em restaurantes, inclusive no A bela Sintra, de São Paulo.

    O que Chacrinha tem a ver com tudo isso? Na Idade Média, dava-se o nome de arauto ao oficial que fazia as proclamações solenes. Também transmitia mensagens e conferia títulos de nobreza. Pensando bem, o Velho Guerreiro foi arauto do bacalhau no Brasil. Qual seria a sua reação ao ouvir tamanho elogio? Não há limites para a imaginação. É provável que retrucasse com um infalível “Vocês querem bacalhau?”.

    BACALHAU À MIA

    RENDE 6 PORÇÕES

    INGREDIENTES

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    .2 kg de bacalhau do Porto em postas

    .2 kg de batatas

    .3 dentes de alho em finas rodelas

    .2 kg de cebolas cortadas em rodelas médias

    .1 l de azeite extravirgem de oliva

    2 colheres (sopa) de vinagre de vinho branco

    .5 ovos cozidos duros cortados em rodelas

    .150 a 200g  de azeitonas pretas portuguesas

    .Salsinha picada grosseiramente para cobrir

    .Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

    PREPARO

    1. Lave o bacalhau e coloque-o de molho em bastante água, na geladeira, por cerca de  48 horas, trocando a água seguidamente.
    2. Após, cozinhe o bacalhau em água já fervente, por uns sete minutos, aproximadamente, cuidando para que não fique cozido demais. Escorra e retire cuidadosamente as espinhas maiores. Reserve.
    3. Cozinhe as batatas em água, com as cascas, sem deixá-las muito cozidas. Escorra-as, pele-as e corte-as em rodelas grossas. Reserve.
    4. Em uma panela, cozinhe lentamente os dentes de alho e as cebolas no óleo de oliva, até ficarem transparentes. Tempere com sal e pimenta.
    5. Desligue o fogo e misture o vinagre. Reserve.
    6. No fundo de uma travessa refratária, disponha um pouco do molho de cebolas.
    7. Coloque o bacalhau em cima, depois as batatas em rodelas, os ovos e as azeitonas.
    8. Cubra com o molho de cebolas que sobrou e polvilhe com a salsinha.
    9. Leve ao forno médio (180°C) por aproximadamente 30 minutos, ou até o molho atingir a fervura completa e a salsinha secar.
    10. Retire do forno e sirva imediatamente.
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