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Oh, que delícia de arroz!

Sucesso no Brasil há mais de vinte anos, o risotto alla milanese continua a ser um dos grandes pratos da cozinha italiana entre nós

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 21h04 - Publicado em 17 jan 2017, 16h16
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  • Quando o restaurante Fasano foi aberto em 1990 na Rua Haddock Lobo, em São Paulo, o risotto era uma  estrela do cardápio. Muitas pessoas apareciam para saboreá-lo. Vinham de outras regiões do país, inclusive. O restaurante Fasaninho, na Rua Amaury, dos mesmos proprietários, inaugurado em 1982, já oferecia o prato. Mas foi o Fasano que o consagrou no Brasil. O ápice do sucesso aconteceu há mais de vinte anos atrás – daí a nossa lembrança. Chef do restaurante, o lombardo Luciano Boseggia ganhou o apelido de Rei do Risotto. Depois, lançou o livro « Il Riso In Tasca » (DBA-Melhoramentos, São Paulo, 1997), onde ensina a prepará-lo.

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    Típico da Lombardia, cuja capital é Milão, e do Piemonte, com a sede administrativa em Turim, o prato já existia no Brasil. Entretanto, faltava-lhe autenticidade. A receita puro-sangue só era respeitada nas casas das famílias daquelas regiões, situadas no noroeste italiano, como na do restaurateur Rogério Fasano, do Fasano, que veio da Lombardia. Não existia aqui o arroz adequado, só cultivado por lá, cujos grãos liberam lentamente o amido durante o cozimento, tornando-os macios, mas resistentes ao dente. A Província de Vercelli, no Piemonte, é o epicentro do seu cultivo. Até então, fazia-se risotto em São Paulo com o agulhinha brasileiro, que cozinha muito depressa e fica solto demais.

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    O Fasano implantou no país o risotto pastoso e com a consistência « all’onda », cremosa e nunca fluída como uma sopa. Para se obter esse resultado, é necessário mexê-lo continuamente, em um movimento que vai do centro da panela para a borda, controlando-se o cozimento dos grãos. Acrescenta-se aos poucos caldo de carne, galinha, peixe, legumes ou verduras. Geralmente o arroz cozinha entre 16 e 17 minutos. Os lombardos denominam o risotto feito com tais cuidados de « riso alla forchetta » (arroz ao garfo), pois ao comê-lo empunham esse talher.

    Na época da inauguração do Fasano, só a Itália produzia os grãos imprescindíveis. O problema é que as importações eram dificultadas pelas autoridades do Brasil. Por isso, Rogério trazia alguns quilos do arroz do risotto na bagagem. Só depois conseguiu importá-lo. Atualmente, desapareceu o problema. Encontra-se arroz italiano à vontade no Brasil. Os cozinheiros recomendam seis variedades, porém as mais consumidas são arborio, carnaroli e vialone nano.

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    Inúmeros países têm receitas saborosas à base de outros tipos de arroz – a paella da Espanha, o pilaf do Oriente Médio, o arroz de pato de Portugal e os de carreteiro, biro biro e com suã, do Brasil – mas nenhum desenvolveu, como a Itália, um método tão original de preparar o seu. Segundo a inglesa Elizabeth David, no livro « Cozinha Italiana » (Companhia das Letras, São Paulo, 1998), o risotto é a mais extraordinária comida de arroz. Em sua opinião, trata-se de «um prato de natureza completamente diferente e única». Sempre que se fala no risotto, porém, vem à mente a receita alla milanese. Leva açafrão em pistilos ou pó, de cor amarelo-avermelhado, retirado de uma flor mediterrânea. Serve como tempero culinário, corante e medicamento.

    Vitral di San Giuseppe, do artista flamengo Valério: colorido com açafrão
    Vitral di San Giuseppe, do artista flamengo Valério: colorido com açafrão (Catedral de Milão/Divulgação)

    O risotto alla milanese ainda incorpora manteiga, cebola picada, vinho branco seco, caldo de carne, queijo parmigiano e, ocasionalmente, tutano bovino. O gastrônomo italiano Pellegrino Artusi (1820-1911) publicou três receitas do prato na obra« La Scienza in Cucina e l’Arte di Mangiar Bene » (Newton & Compton Editori, Roma, 1975), na qual codificou a cozinha italiana, realizando trabalho semelhante ao de Auguste Escoffier (1846-1935), na França. Variam ligeiramente, mas todas  incorporam açafrão. A última reinterpretação do risotto alla milanese foi feita pelo chef Gualtiero Marchesi, fundador da moderna cozinha italiana. Em 1982, ele passou a servir o prato tendo em cima uma finíssima lâmina de ouro comestível. Denominou-o riso, oro e zafferano.

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    O risotto alla milanese se transformou  em emblema gastronômico da Lombardia, a mesma terra da bresaola, minestrone, brasato, costolette alla milanese, ossobuco alla milanese e outras joias. Descende do riso col zafran, iguaria procedente do Oriente Médio, introduzida na Itália pelos árabes, no século 8, quando invadiram a Sicilia. Massimo Alberini (1909-2000), escritor e estudioso de antigos textos de cozinha, recuperou uma receita antológica:  o riso alla ciciliana (com c mesmo) datada de 1549. Mandava cozinhar o arroz em « caldo grosso reforçado com ovo e enriquecido com açúcar » (a culinária renascentista adorava o agridoce); no último momento, incorporava queijo ralado e açafrão. A ascendência siciliana se evidenciaria pelo uso do arroz e do açafrão: ambos são da herança árabe.

    No livro “Opera – Dell’Arte del Cucinare », porém, Bartolomeo Scappi (1500-1577), cozinheiro particular dos papas Pio IV e Pio V, publicou a receita de uma vivanda (iguaria, manjar) di riso alla lombarda que consolidou o primado milanês. Compunha-se de arroz cozido e temperado com queijos, ovo, açúcar, canela, frango capão, cervellato (antigo embutido de banha de porco e miolo de boi). Por último, coloria-se com açafrão.

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    Na Lombardia, conta-se uma história sobre a invenção do risotto alla milanese. Saiu publicada até na respeitada «Grande Enciclopedia Illustrata della Gastronomia» (Selecione dal Reader’s Digest, Milão, 2000). Entre os anos de 1572 e 1576, trabalhava no acabamento da Catedral de Milão o pintor flamengo Valério Perfundavalle da Lovanio ou Valério di Fiandra. Montava o belíssimo Vitral di San Giuseppe, na nave esquerda.

    Na coloração dos vidros de então, conseguia-se magnífico efeito com o emprego do açafrão. O especialista em temperá-los era um ajudante de Valério. Graças ao ofício, recebeu dos colegas o apelido de Zafferano (Açafrão). Acontece que, em 1534, o rapaz se casou com a filha do patrão. No banquete de núpcias do casal, os colegas fizeram uma brincadeira. Encarregaram  quatro veletes de oferecer-lhe um arroz colorido com açafrão, amarelo como ouro. Teria nascido assim o risotto alla milanese, também chamado de giallo ou zafferano. Pode-se acreditar ? Se non é vero… é ben trovato!

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    RISOTTO ALLA MILANESE * – RENDE 4 PORÇÕES

    INGREDIENTES:

     

    CALDO DE CARNE  

    RISOTTO

    PREPARO                                                               

    CALDO DE CARNE

    1. Em uma panela, coloque todos os ingredientes. Quando ferver, abaixe o fogo, tampe e cozinhe por 1 hora. Retire do fogo, peneire e reserve o caldo.

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    RISOTTO

    2. Em outra panela, doure a cebola em metade da manteiga, mexendo. Assim que estiver transparente, junte o arroz e refogue por alguns minutos, sem parar de mexer.

    3. Adicione o vinho e deixe evaporar em fogo alto. Incorpore aos poucos o caldo de carne quase em ponto de fervura, á medida que o arroz for secando. Mexa seguidamente.

    4. Após uns 10 minutos, junte o açafrão dissolvido em um pouco de caldo de carne e continue mexendo e colocando mais caldo, se necessário, até o arroz ficar al dente.

    5. Nos últimos minutos, se quiser, acrescente o tutano e mexa bem.

     

    FINALIZAÇÃO

    6. Retire do fogo, coloque a manteiga que sobrou e o parmigiano ralado. Misture e sirva imediatamente, em pratos individuais.

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    > Receita do restaurante Fasano, de São Paulo, como a preparava Luciano Boseggia na década de 1990.

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