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O pão em rabanada

Um doce de Natal mais simbólico e antigo do que seu rival Panettone

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 20h39 - Publicado em 11 dez 2017, 14h03
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  • Mais alguns dias e a Rabanada estará na ceia de Natal dos brasileiros que preservam receitas luso-brasileiras na comemoração anual do nascimento de Jesus. Feita com pão de trigo dormido, ela guarda mais significados do que seu rival Panettone, importado da Itália, para o qual perdeu o lugar de honra na mesa a partir do século XX. Mesmo assim, a Rabanada sobrevive na festa natalina de muitas famílias do país. Entre os cariocas, continua obrigatória.

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    O pão é para o cristianismo um alimento sagrado. Há  respaldo bíblico. “Eu sou o pão da vida”, disse Jesus no Evangelho de São João (6,35). “Quem vem a mim não terá mais fome, e quem crê em mim nunca mais terá sede”. O que revigora a ligação intrínseca da Rabanada com cristianismo é o fato de incorporar fatias de pão dormido. Normalmente, seriam jogadas fora.

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    “Não presta desperdiçar o pão”, acredita o povo cristão simples e puro, estimulando o seu reaproveitamento na Rabanada e outros usos. As manifestações de religiosidade começam na elaboração do alimento com o qual a humanidade mata a fome e assegura a saúde há cerca de 6 000 anos. Muitas pessoas o preparam fazendo cruzes na massa e rezas para ele levedar e crescer, dourar no forno e se tornar macio. Assimilamos essa magia dos nossos ancestrais lusitanos, dos quais também herdamos a Rabanada. “O pão não se arremessa, pousa-se; não se corta, parte-se; se adrega se ele cair ao chão, apanha-se e beija-se”, sentenciou o português Emânuel Ribeiro, (“Grande Seara – Problemas de Arte”, Emp. Indust. Gráfica, Porto, 1934).

    O grande mestre potiguar Luís da Câmara Cascudo, no “Dicionário do Folclore Brasileiro” (Global Editora, São Paulo, 2000), complementa: no interior do Nordeste se considera pecado jogar fora o pão, deixá-lo cair propositadamente no chão e não o reerguer, porque simboliza a vida “e guarda o espírito de Deus na hóstia”. Depois que esse alimento teve a fabricação doméstica transferida para as padarias, a superstição foi desaparecendo, mas ainda persiste em muitos lugares do interior nacional.

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    Na Rabanada, as fatias de pão dormido são mergulhadas no leite de vaca, eventualmente no vinho tinto; passam em ovos de galinha batidos, fritam na manteiga e recebem, no final, uma calda de açúcar ou mel; antes do consumo, são borrifadas, ou não, com açúcar e canela. Apresentam-se fofas ao dente, com uma doçura de encher a boca. Há variações da receita pelo mundo afora. No Brasil, inúmeras pessoas cobrem a Rabanada com leite condensado, ingrediente industrial que estandardiza o sabor dos doces, deixando-os  com  o mesmo gosto.

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    Na França, que batizou a Rabanada de Pain Perdu (Pão Perdido), ela pode ser feita não apenas com pão dormido, mas ainda com brioche assado especialmente. Ultimamente, apareceu uma variante vegana na qual o leite de vaca é trocado pelo de soja e as farinhas de grão de bico ou de soja substituem os ovos de galinha. Sem querer ofender os adeptos desse espartilho alimentar, fica péssima.

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    Os norte-americanos da Luisiana também a denominam Pain Perdu, provavelmente pela influência da imigração francesa, e ainda French Toast, como seus patrícios das outras regiões. Saboreada no desjejum, rivaliza em prestígio com a panqueca. Na Inglaterra é Eggy Bread, Egg Dip ou Gypsy Toast, na Índia Meetha Andewala Toast, na Indonésia Roti Telur, no Marrocos Khobz Belbid – e daí por diante.

    Segundo o filólogo e escritor português Cândido de Figueiredo, autor do “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, lançado em 1899, o nome Rabanada veio do espanhol rebanada, que saiu de rebanar, ou seja, cortar algo em rebanadas, de parte a parte. Curiosamente, os espanhóis não a designam assim. Chamam-na de Torrija ou Torreja; na Catalunha mudam para Torradetes de Santa Teresa, em homenagem à Santa Teresa de Ávila, religiosa e escritora do século XVI, célebre pelas obras místicas. É doce obrigatório nas celebrações da Quaresma e Semana Santa.

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    Em Portugal, as Rabanadas têm diferentes receitas e denominações. Podem ser Antigas, Douradas, Fidalgas (regadas com Vinho do Porto) e Minhotas. Também são conhecidas por Fatias Douradas. Lá e no Brasil ainda recebem o nome de Fatias de Parida, por darem sustança à mulher que acabou de ter um filho. Se o pão às vezes é evitado no costume de “guardar” os quarenta dias após o parto, a Rabanada está liberada. Acredita-se que o calor da fritura “corta” o suposto inconveniente do fermento colocado na massa para levedar. A fritura manteria a sua capacidade de fornecer à mulher de resguardo uma energia de elevada qualidade e a capacidade de oferecer leite à vontade ao recém-nascido.

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    Democrática, por ser acessível aos pobres e apreciada pelos ricos, a Rabanada é um doce ancestral de origem incerta. A mais antiga referência ao seu preparo se encontra no clássico “De re coquinaria” (Livro VII, XIII-3), famoso  receituário do Império Romano, escrito pelo gastrônomo latino Marco Gavio Apicio, que viveu no primeiro século da nossa era: “Corte um sigilineo (pão de aveia) em fatias grossas. Coloque-as de molho no leite e frite em óleo. Espalhe mel em cima e sirva”. O mais importante de tudo, porém, é que desde aquela época já era uma delícia.

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    RABANADAS ANTIGAS

    INGREDIENTES

    PREPARO

    1. Corte o pão em fatias de 1cm de espessura.

    2. Leve ao fogo o açúcar com a água, a manteiga, a canela, a casca de limão e uma pitadinha de sal. Deixe ferver durante cinco minutos, em fogo baixo.

    3. Retire do fogo e coloque as fatias de pão na calda bem quente, depois escorra-as  em uma peneira, para perderem o excesso de calda.

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    4. Em uma tigela, bata manualmente as gemas com os ovos inteiros.

    5. Passe as fatias pelos ovos batidos e doure-as, aos poucos, no óleo no óleo previamente aquecido.

    6. Á medida que forem fritando, vá colocando-as em papel absorvente.

    7. Passe-as para uma travessa larga e funda. Polvilhe-as com canela e açúcar.

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    8. Para o molho, misture em uma panela o vinho com o mel, a canela em pó e leve ao fogo só para levantar fervura.

    9. Derrame esse molho sobre as rabanadas e sirva somente no dia seguinte.

    Rende cerca de 12 fatias

    Receita de Maria de Lourdes Modesto, ilustre primeira-dama da cozinha lusitana, publicada no livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”, Editorial Verbo, Lisboa/São Paulo, 1989.

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