“Vocês, meus queridos convidados, não são pessoas comuns”, diz o chefe de cozinha aos doze raros comensais reunidos no exclusivíssimo restaurante do filme “O menu”. Assisti a película em Nova York, antes de estrear agora em dezembro nos cinemas daqui. Deixo a crítica cinematográfica para quem é do ramo. Mas arrisco a dizer que a obra tem qualidades para agradar paladares variados, dos mais exigentes aos mais simples. A frase do cozinheiro sobre a excepcionalidade de seus poucos clientes sintetiza a aura de prestígio e luxo associada à alta gastronomia. Não à toa, nessa obra de humor negro o jantar é servido em uma ilha deserta onde o chef é retratado como uma espécie de guru ou líder religioso, porém capaz de virar os olhos ao menor sinal de incompreensão de sua “obra”. Tudo o que ele produz ou diz é reverenciado, mesmo quando seus comportamentos começam a se revelar ameaçadores. A lógica de menu degustação – experiência gastronômica em que a vontade do criador culinário se impõe às escolhas dos clientes – , é levada ao limite no filme. E mais não digo para não dar spoiler a quem ainda vai assistir a essa sátira de um mundo que, por pura vaidade, costuma se levar a sério demais.
A pompa e a circunstância em torno da alta gastronomia atingem um ápice do lado de cá da tela a cada ano, nas cerimônias de premiação dos melhores restaurantes do mundo. O que está em jogo nas listas e rankings regularmente celebrados, bem mais do que a qualidade da comida ou do serviço, é o status – tanto dos restauranteurs quanto dos chefs e de seus clientes. O problema é que, justo por isso, o mundo gastronômico acaba por enfrentar um problema semelhante ao da alta costura: aquilo que a princípio aparece como sinal de sofisticação e exclusividade não demora a ser copiado, em geral em pratos vulgares e de qualidade muito inferior. Foi assim com a gastronomia molecular, desenvolvida por Ferran Adrià. Depois que o chef catalão tornou famosas suas técnicas ligadas à textura dos pratos – espumas, esferificações, gelatinas –, meio mundo passou a copiá-lo. Tanto que ele desistiu de cozinhar dizendo que entenderam o trabalho dele tudo errado.
O pior é que mesmo quem é criativo – e não apenas imitador – nem sempre faz jus à fama. Quantas vezes, ao visitar uma cidade, conseguimos reserva num disputadíssimo restaurante com a ajuda de um concierge solícito ou de amigos locais,– e para quê? Não raro a experiência é decepcionante. Melhor seria ter ido jantar em um sólido e tradicional restaurante italiano, ou apostar em uma boa comida asiática. O que falta com frequência, na cozinha de vanguarda, é algo de que também carecem os pratos servidos na ilha gastronômica de “O menu”, como bem observa uma de suas personagens: amor. Um ingrediente básico.
Sempre me interessei pelas experimentações e sei que se pode ter um ótimo jantar mesmo fora dos limites da cozinha clássica. Mas, para ser boa, a comida precisa ser feita com o coração – traga ela inovações formais ou não. Por sorte estamos numa época ideal do ano para constatar esse fato. O peru e o tender, tão comuns mas feitos com carinho, igualam a todos os que têm a sorte de poder celebrar um Natal tradicional com a família. E também nos distinguem, porque cada família é única e especial, sem que ninguém precise dar provas disso.