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Mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein
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O sobrenatural é apenas o natural sem tanto charme

O 'sexto sentido' é na verdade chamado de propriocepção e combina informações dos outros cinco sentidos

Por Claudio Lottenberg
20 dez 2022, 20h13

O sobrenatural exerce um inegável fascínio sobre as pessoas. Ele está na base de praticamente toda crença, oferecendo sentido a eventos e fenômenos que escapariam à nossa compreensão. Não por acaso, é explorado à exaustão na cultura popular – livros, séries de TV, filmes. Um, de inúmeros exemplos, parece feito sob medida: o filme “O Sexto Sentido” (1999), em que um garoto consegue ver ainda circulando por aí pessoas que já morreram. “Sexto sentido” é uma expressão saborosa para incendiar as imaginações mais férteis, uma vez que os cinco mais atuantes são os de que temos mais consciência. Uma pesquisa recente, no entanto, tira da expressão qualquer sobrenaturalidade e mostra que, como os cinco mais conhecidos, o sexto sentido nada mais é que natural.

O nome científico dado a ele não inspira qualquer paranormalidade, e carrega praticamente nenhum charme: propriocepção. Um artigo publicado em novembro na revista Nature Communications explica propriocepção como “o sentido da posição do corpo no espaço”, e diz que dela depende “a execução precisa de movimentos coordenados”. É o sentido que está por trás, por exemplo, da capacidade de sabermos, de olhos fechados, a posição relativa em que estamos parados em um ambiente.

No estudo, os pesquisadores descobriram que determinados genes fazem neurônios se conectarem a determinadas partes do corpo desde a fase embrionária. Entender como esses genes e neurônios operam pode conduzir a aplicações terapêuticas. O estudo faz avançar, assim, a possibilidade de que esteja em algum ponto no futuro o desenvolvimento das chamadas neuropróteses. Controlar próteses com o cérebro seria uma revolução para pessoas com deficiências motoras.

No ano passado, por exemplo, a mesma revista trouxe um artigo a respeito de um estudo da UCSF (Universidade da Califórnia em San Francisco) para restaurar a fala de uma pessoa. Foi implantado no cérebro do paciente (na área que controla o trato vocal) um dispositivo que gravava seus sinais cerebrais enquanto tentava responder uma pergunta exibida num monitor. Os sinais eram traduzidos então por um algoritmo, em tempo real, em palavras e sentenças, em resposta à pergunta exibida. Ainda que de aplicação inicialmente limitada (o algoritmo conseguia traduzir os sinais em 50 palavras, formando mais de mil combinações possíveis), tais resultados teriam parecido ficção científica (ou sobrenaturais) há 50, ou mesmo 30 anos.

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Avanços como esses na ciência fazem lembrar das chamadas “Três Leis de Clarke” – formuladas pelo escritor Arthur C. Clarke, autor, entre muitos outros, do livro “2001 – Uma Odisseia no Espaço” –, mais especificamente da terceira lei: “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia” (tradução livre). Inevitável pensar que vivemos em tempos em que a ciência caiu um certo tanto no conceito das pessoas, devido à torrente de desinformação que inundou as redes sociais. A aversão a vacinas fez com que o discurso anticiência ganhasse projeção. Felizmente, um estudo da Fundação Oswaldo Cruz mostrou que, apesar dessa campanha difamatória, apenas 5,8% dos entrevistados disseram não confiar na ciência. E manifestam essa desconfiança por meio de computadores e sistemas sofisticados de comunicação – muitos deles possíveis por satélites, que orbitam uma Terra redonda.

Mas a possibilidade de criar próteses que sejam acionadas com o cérebro alimenta o otimismo quanto ao futuro. Com perdão ao grande escritor inglês, tecnologias avançadas fazem supor cada vez mais a ciência tomando o lugar das explicações sobrenaturais para o que não entendemos. Fenômenos naturais como terremotos, eclipses, erupções vulcânicas, relâmpagos e tantos outros já foram vistos e sentidos como manifestações de divindades, de extraterrestres, de seres que não vemos, mas que tememos. A ciência, escreveu o astrônomo e divulgador científico Carl Sagan (1934-1996), é uma vela que leva a luz do conhecimento a recantos onde ainda se escondem temores que, explicados e compreendidos, deixam de nos assombrar. Alguém poderia dizer que a ciência não explica tudo. Mas tem explicado cada vez mais. E não há sinais de que irá parar.

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