Pandemia legitimou novo Bolsa Família, maior jogada eleitoral de Bolsonaro
Novo programa social começou a ser desenhado antes da pandemia do coronavírus, para reter a parcela do eleitorado com potencial de migrar para Lula
O governo do presidente Jair Bolsonaro pretendia oficializar hoje o programa Auxílio Brasil com um valor de R$ 400, embalado por um discurso sobre a importância de combater os efeitos mais dramáticos da pandemia do coronavírus. O faria extrapolando o teto de gastos, com a justificativa de que o programa é urgente e essencial para o enfrentamento da crise econômica. O discurso faz sentido. Mas nem por isso é verdadeiro.
Originalmente, a ideia de reformular completamente o programa Bolsa Família – incluindo a mudança do nome de batismo herdado do governo petista – não teve absolutamente nada a ver com a pandemia. A estratégia começou a ser desenhada antes mesmo da chegada do vírus ao Brasil. Na época, a definição de auxiliares do presidente para o projeto era simples: criar uma bandeira para Bolsonaro na área social.
O próprio Bolsonaro tinha suas ressalvas em relação à proposta. Queria que sua equipe entregasse algo além de uma simples remodelagem do programa social do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi já naquela época que veio a ideia de aumentar o valor. Seu próprio Bolsa Família pagaria mais. Pelo menos algo em torno de R$ 250 ou R$ 300, dizia Bolsonaro aos ministros envolvidos no projeto. Mas talvez por menos tempo, já que a ideia era também criar uma porta de saída, com medidas de reinserção dos trabalhadores no mercado de trabalho.
Na época, quem transitava livremente no Palácio do Planalto não disfarçava um certo incômodo com o populismo do discurso. Como já relatado aqui na coluna, esse assunto chegou a embalar conversas regadas a vinho na residência oficial da presidência da Câmara, que tinha como inquilino na época o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ali, deputados discorriam sobre como o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia transformado o programa social na maior meta do governo, deixando em segundo plano a agenda de reformas, por exemplo.
De um lado, a pandemia do coronavírus criou mais dificuldades orçamentárias para tirar o projeto do papel como o governo gostaria. Mas também legitimou o projeto que, em sua origem, pretendia essencialmente segurar votos de eleitores com potencial de apertar o 13 de Lula na urna no ano que vem. E validou o debate sobre a concessão desse auxílio mesmo sem espaço no Orçamento. Como informaram os repórteres de VEJA Larissa Quintino e Victor Irajá, o plano seria tirar R$ 25 bilhões de reais do programa fora do teto no próximo ano.
Mais cedo, a jornalista Miriam Leitão, da TV Globo, já havia noticiado que o ponto chave do anúncio seria que tudo o que ultrapassasse o Orçamento já existente para o atual programa Bolsa Família seria temporário. Pago apenas até o fim de 2022 e, por não ter caráter permanente, fora do alcance da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Hoje, ninguém se atreve a discutir a necessidade de o governo dar atenção às famílias mais afetadas pela crise econômica provocada pela pandemia. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), verbalizou o sentimento em entrevista ao Amarelas On Air desta semana. Disse que o novo Bolsa Família e o auxílio emergencial “não são eleitoreiros, são urgentes”.
Mas o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe agora terão que lidar com a repercussão no mercado e o impacto no time do ministro Paulo Guedes. A equipe economia parecia derrotada na tentativa de manter o programa dentro das linhas orçamentárias, mas o anúncio acabou cancelado, diante da repercussão negativa do mercado.
Mesmo quando for retomado, o plano ainda vai passar pelo Congresso. E este já mostrou que também quer uma parte do crédito. Há entre parlamentares até mesmo quem defenda que seja retomado o nome Renda Brasil. A tese é que o auxílio emergencial ficou fortemente associado à imagem de Bolsonaro, motivo pelo qual o próprio governo decidiu rebatizar o novo programa.