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Caçador de Mitos Por Leandro Narloch Uma visão politicamente incorreta da história, ciência e economia
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Os traficantes e o império da lei nas favelas

O repórter Leslie Leitão passou sete horas entrevistando o traficante Playboy, chefe do Complexo da Pedreira e o criminoso mais procurado atualmente no Rio de Janeiro. Na reportagem publicada na VEJA desta semana, há três informações sobre o líder da favela que merecem destaque: 1) “Todas as normas do morro é ele quem dita. Uma […]

Por Leandro Narloch
Atualizado em 31 jul 2020, 02h08 - Publicado em 10 fev 2015, 14h01
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    O repórter Leslie Leitão passou sete horas entrevistando o traficante Playboy, chefe do Complexo da Pedreira e o criminoso mais procurado atualmente no Rio de Janeiro. Na reportagem publicada na VEJA desta semana, há três informações sobre o líder da favela que merecem destaque:

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    1) “Todas as normas do morro é ele quem dita. Uma enorme faixa anuncia que carro roubado, por exemplo, não pode mais circular naquelas bandas. Quem não obedece às suas leis está sujeito a punições do tribunal do tráfico.”

    2) “Ao estilo de outros chefões de favelas cariocas, Playboy distribui mensalmente centenas de cestas básicas e botijões de gás.”

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    3) O bandido media conflitos entre os moradores e pune quem cometer assaltos na favela. “Na lógica peculiar da bandidagem, Playboy se define como um ‘mal necessário’”.

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    Repare que interessante. Playboy, o líder do tráfico, um dos maiores ladrões de cargas do mundo, o homem acusado de uma dúzia de assassinatos, se incumbe de boa parte das tarefas que as pessoas (e os grandes teóricos da política moderna) esperam que sejam realizadas pelo estado. Garante o império da lei e o direito de propriedade no local onde detém o monopólio da violência, e mantém sua popularidade entre os moradores por meio da assistência social. O homem ainda se diz um “mal necessário”, a exata expressão usada por Hobbes em Leviatã.

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    Como é possível que um dos maiores assaltantes do mundo seja, ao mesmo tempo, a pessoa que garante o direito de propriedade na favela?

    Na verdade, há pouca surpresa nessa história. O líder armado que media conflitos entre os moradores é um personagem comum tanto nas favelas do Rio quanto na história do mundo. Para economistas e cientistas sociais que estudam a economia do crime organizado, governos, máfias, reinos, coronéis, senhores feudais e chefes do morro lidam todos com a mesma commodity – violência – e oferecem o mesmo serviço: proteção e mediação de conflitos. Não é à toa que chefes do tráfico de vez em quando se intitulam “reis do morro”. O processo de formação dessa turma é o mesmo de reinos e estados nacionais.

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    Tudo começa com o problema fundamental de uma troca econômica: confiança. Até mesmo quem comprar uma lata de cerveja no bloco de carnaval precisa confiar que o camelô não vai sair correndo com o dinheiro antes de entregar o produto. Meios privados de assegurar trust são possíveis (falarei sobre eles num próximo post). Mas até o mais convicto anarco-capitalista precisa admitir que, na história, o problema muitas vezes se resolveu com a solução de Thomas Hobbes: estabelecer o Leviatã, uma terceira parte neutra e poderosa. Se eu te der o dinheiro e você não me passar a lata de cerveja, eu chamo o rei (ou a Justiça, a polícia, o senhor feudal, o imperador) para garantir o cumprimento do contrato.

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    Acontece que nem sempre o governo civil desempenha ou aceita desempenhar o papel de garantidor de contratos. Na cadeia de produção de cocaína, por exemplo, não dá pra resolver o conflito com um fornecedor recorrendo à Justiça. “Toda vez que o estado decreta uma transação ou produto ilegal, um mercado potencial para proteção é criado”, diz Diego Gambetta, o grande especialista em máfia siciliana. A demanda por mediação de conflitos é cumprida por fornecedores paralelos de violência.

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    Nas favelas do Rio, não é só a proibição de drogas que acaba criando pequenos leviatãs. A demora da Justiça, a pouca eficiência da polícia e a falta de escritura das casas são outros motivos. Sem documentos para assegurar a propriedade, os moradores não podem contar com a Justiça caso um inquilino deixe de pagar o aluguel ou um vizinho invada o terreno. Recorrem ao Poderoso Chefão local.

    Digo isso e já imagino comentários de leitores reclamando que fui possuído por um espírito de Poliana e estou romantizando assassinos e traficantes. Não, nada disso.

    Meu ponto é o seguinte: o que faz o tráfico dominar as favelas não é a falta de estado de Bem-Estar Social, como a esquerda costuma dizer. Não se vai resolver o problema construindo hospital ou escola pública na favela. O que faz os traficantes dominarem os morros é a falta de estado mínimo, de uma instituição que garanta o cumprimento de contratos e os direitos de propriedade.

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    O sucesso das UPPs no Rio de Janeiro depende não só de prender os chefes do tráfico dos morros, mas também de suprir a demanda dos moradores por império da lei e mediação de conflitos. Se o governo não cumprir essa demanda, vai apenas criar oportunidade de mercado para outros chefes do tráfico que se consideram “um mal necessário”.

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