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Por Andréia Peres
Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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A nova cara da violência nos grandes centros urbanos

Pesquisa realizada na cidade de São Paulo chama a atenção para a ocorrência de agressões por motivos políticos ou ideológicos e novas formas de estelionato

Por Andréia Peres 19 mar 2024, 10h03

Realizada há 20 anos pelo Insper, a pesquisa de vitimização na cidade de São Paulo oferece um retrato preciso e inédito da violência nos nossos tempos. A cada cinco anos, pesquisadores investigam a ocorrência de situações como roubos, furtos, estelionato e agressões. A pesquisa é feita com uma amostra representativa da população, por meio de entrevistas em domicílios. Em 2023, a mais recente delas, foram realizadas 3 mil entrevistas.

A imagem que se obtém com esse tipo de pesquisa é muito mais fiel à realidade do que quando são utilizadas estatísticas oficiais de ocorrências policiais, frequentemente subnotificadas. Posto isso, o retrato que emerge dessa longa e robusta pesquisa é, no mínimo, preocupante.

Os casos de estelionato atingiram o maior nível da série: 30% das pessoas entrevistadas reportaram terem sido vítimas de golpes desse tipo. Estelionatos envolvendo notas de dinheiro falsas se reduziram quase que continuamente ao longo do tempo: de 15,4%, em 2003, para 6,3%, em 2018 e 2023, acompanhados pelos estelionatos que envolviam cheques que não poderiam ser descontados.

NOVAS MODALIDADES DE ESTELIONATO

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Outras modalidades de estelionato, no entanto, tiveram alta significativa nesse período. Fraudes de cartão de crédito passaram de 1,4% (2003) para 9,3% (2023). As ocorrências com clonagem de celular quase triplicaram entre 2018 e 2023, saltando de 1,3% para 3,4%.  Já problemas com sites ou aplicativos de compras alcançaram 7,8% da população da cidade de São Paulo, em 2023, ante 1,6%, em 2013. Fraudes bancárias na internet e roubo de dados pessoais também aumentaram significativamente desde que começaram a ser contabilizados. As fraudes passaram de 0,5%, em 2013, para 1,7%, em 2023. Já o roubo de dados pessoais foi de 1,3% para 3%, entre 2018 e 2023.

“No começo da pesquisa, em 2003, havia uma incidência muito maior de roubo de automóveis e de seus componentes. Agora, é muito furto de celular e roubo na internet”, comenta Naercio Menezes Filho, membro da Academia Brasileira de Ciências e professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, responsável pela pesquisa, em entrevista a esta coluna.

Em geral, a porcentagem de pessoas que são roubadas ou furtadas não se alterou substancialmente nos últimos 20 anos, o que, para o pesquisador, é “impressionante”. “Não esperávamos isso. Apesar de você ter muitas mudanças demográficas, na distribuição da renda, na pobreza, nas políticas públicas e mesmo na polícia, a taxa ficou mais ou menos constante [cerca de 8% para roubo e 13% para furto]”, diz ele.

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As agressões on-line, por sua vez, cresceram nos últimos 5 anos, passando de 4,7%, em 2018, para 5,4%, em 2023. O crescimento ocorreu em todos os níveis socioeconômicos, mas afetou principalmente os jovens, que relataram um maior nível de ocorrências, e pessoas com maior nível de escolaridade.

AGRESSÕES POR MOTIVOS POLÍTICOS OU IDEOLÓGICOS E DISCRIMINAÇÃO RACIAL OU POR MOTIVOS RELIGIOSOS

Outro dado que chama a atenção é o alto percentual de agressões físicas ou verbais por motivo políticos ou ideológicos: quase 6% da população relatou problemas desse tipo. Um dado novo que em tempos de polarização política apareceu na última pesquisa.

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As agressões verbais por motivos políticos ou ideológicos superaram as agressões físicas. Homens tendem a ser as principais vítimas e, em geral, esse tipo de violência é mais frequente num público mais jovem e escolarizado. “É o pessoal que participa mais”, justifica Naercio.

A edição de 2023 da pesquisa de vitimização implementou ainda perguntas sobre discriminação. Cerca de 6% dos entrevistados sofreram algum tipo de discriminação no último ano. Surpreendentemente, motivos religiosos apareceram como uma das principais causas para a discriminação (21,4%), perdendo apenas para a discriminação racial (36,3%). A taxa de vitimização por discriminação cresce quanto mais jovem a pessoa e quanto maior o nível de instrução.

Em relação ao assédio sexual, a boa notícia é que a taxa caiu em relação a 2018, passando de 9,5% para 7,8%. O percentual foi menor tanto para homens (4,9% para 4,8%) quanto para mulheres (13,5% para 10,4%), mas ainda assim é alto.

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O que fica evidente pelos dados é que questões como discriminação racial, assédio sexual e agressões por motivos políticos ou ideológicos ganharam, sim, mais visibilidade nos últimos anos, um fenômeno devidamente quantificado pela pesquisa.

Segundo o pesquisador, um lado ainda mais triste de tudo isso é a queda contínua do grau de confiança em pessoas da sua vizinhança, também medido pelo estudo. “Ninguém tem confiança nos outros. Nem no seu vizinho”, diz ele.

Entre 2013 e 2023, a taxa de confiança nos vizinhos caiu ininterruptamente em todas as modalidades de perguntas.  Em 2003, 94% das pessoas emprestariam uma xícara de açúcar a um vizinho. Em 2023, o percentual baixou para 89,7%. Quando o assunto é emprestar dinheiro (até 70 reais) a um vizinho, a taxa é ainda mais baixa: 44% (2023) ante 56,8% (2003).  Perguntados se pediriam para seu vizinho tomar conta do seu filho, apenas 24,8% responderam que sim (ante 28,9% em 2003).

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Lamentavelmente, o acirramento da polarização política, o racismo estrutural e a violência nas grandes cidades deixam um lastro de prejuízos visíveis hoje nos números e no comportamento das pessoas. Um retrato difícil de encarar e que é escancarado pela pesquisa.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

 

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