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Augusto Nunes

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Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

Fernão Lara Mesquita: Por que não sempre?

A Olimpíada provou que, de cima do trilhão e meio de reais que se arrecada por ano em impostos, não nos falta dinheiro nem nos falta “know-how” para fazer melhor que os melhores do mundo

Por Branca Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 22h00 - Publicado em 28 ago 2016, 16h01

O sucesso da Olimpíada, o espetáculo dos melhores do mundo desempenhando-se no melhor da vida, é sempre garantido. O produto é irresistível. Embalado no mais feérico dos cenários urbanos da Terra, então, não tinha erro. Mesmo que nada mais funcionasse, funcionaria.

Mas não foi só a paisagem. Com tudo o mais constante – os mesmos homens públicos, a mesma quantidade de dinheiro, até menos, as mesmas instituições –, desta vez tudo funcionou, e muito bem.

O que foi que fez a diferença?

Ouso afirmar que foi a qualidade da cobrança.

Quando trata do desastre nacional para o público doméstico, a imprensa brasileira incorpora não só a linguagem, como também as premissas postas pelas partes interessadas no lado “sistêmico” da nossa desgraça. Ao aceitar como irredutíveis e “normais” todos os privilégios de que se apropriou a casta dos políticos e dos funcionários do Estado, pesando aqueles 46% do PIB que nos esmagam (36% de impostos + 10% de déficit), tudo o que resta aos jornalistas para discutir com os “especialistas” e “cientistas políticos” que aceitam esse mesmo limite é a momentosa questão de “como resolver o problema do Brasil” excluída a alternativa de resolver o problema do Brasil que é precisamente o peso desses privilégios e a metástase da corrupção que necessariamente decorre da aceitação pacífica deles como um meio de vida legítimo sempre ao alcance da mão de todo “concurseiro” ou simples puxa-saco que se dispuser a se bandear do oceano dos explorados para a nau dos exploradores.

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Foram menores as tentações de Cristo…

O que aconteceu com a Olimpíada foi um estranho jogo dialético. Sob os ecos da intervenção do “xerife” americano que lancetou o furúnculo da Fifa, da Lava Jato – que pela primeira vez abalou a incolumidade da cleptocracia brasileira – e da culpa por ter aplaudido o logro em que caímos, a imprensa estrangeira comprou o mau humor da nacional para com a realização dos jogos no meio da nossa maior crise econômica e de identidade. E o fez com tanto empenho e azedume que acabou por ferir-nos os brios a ponto de aquela “azaração” toda transformar-se na mais recorrente pauta pré-olímpica da imprensa nacional.

Ao passar a cobrir a cobertura da imprensa estrangeira, porém, a nacional inadvertidamente importou junto a superação dos limites que ela própria se impõe ao tratar do drama do Brasil e – das condições da infraestrutura de saneamento, de segurança e de transporte público para baixo – foi sendo empurrada para um escaneamento fino do Rio de Janeiro que, hipnotizada pelas pernadas e pedaladas dos contendores da luta pelo controle do “Sistema”, há muito tempo ela se desacostumou de fazer.

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Por aqui não se vai nunca à origem última de todas as nossas mazelas porque os jornalistas, especialmente os que convivem em circuito fechado demais com a “corte” em Brasília, estão tão próximos dela que deixaram de enxergá-la como a aberração que é. O olhar estrangeiro escandalizado com aquilo que concretamente o povo carioca recebe para usar em pleno terceiro milênio resultou em que o Rio de Janeiro fosse revisado de cabo a rabo e cobradas como nunca antes as suas autoridades por tudo o que se esconde por baixo dos efeitos visíveis da apropriação do serviço público pela corporação dos seus supostos “servidores”: o Rio como um todo teria de funcionar para que a Olimpíada funcionasse.

E fez-se então a luz, como sói fazer-se sempre que a imprensa faz o seu papel de atrair todos os olhares para onde os problemas realmente estão: da prefeitura carioca à Presidência da República não restou a nenhum dos que passaram a ser cobrados sem meias-palavras, nas menores minúcias, com a mais desenfreada urgência senão responder com ações enérgicas a tempo e horas, sob pena de opróbrio planetário e perda para sempre da condição de prosseguir na carreira política.

É um santo remédio, e sem substituto conhecido, esse tipo de pressão!

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Passado o momento mágico, porém, aquele ímpeto já começa a arrefecer e os debates estéreis sobre como tornar a nossa democracia “efetiva” sem tocar na teta dos impostos dos sindicatos, dos partidos políticos e dos “movimentos sociais” que a falsificam; como “acabar com a impunidade” sem revogar a desigualdade perante a lei que a Constituição consagra; como melhorar a qualidade da educação e do serviço público, mantida a indemissibilidade geral e o atrelamento da progressão do salário à chantagem, e não ao desempenho; voltam a dominar as telinhas nos intervalos da tragicomédia do impeachment.

É perder um tempo que já não termos. Não há como consertar o Brasil sem ir à raiz da nossa doença; sem conectar aos representados o fio terra da nossa democracia “representativa”; sem substituir o comércio de privilégios por ferramentas transparentes de educação para a democracia e desinfecção continuada do ambiente do poder como o recall num contexto de voto distrital. Não há solução mágica, mas esta nos põe de volta numa trajetória ascendente e permite reconstruir, na velocidade que se mostrar possível, este nosso país em frangalhos.

A Olimpíada provou que, de cima do trilhão e meio de reais que se arrecada por ano em impostos, não nos falta dinheiro nem nos falta “know-how” para fazer melhor que os melhores do mundo. Faltam, sim, a reverência aos brasileiros que nossos políticos dão aos estrangeiros e, sobretudo, para obrigá-los a ela, o foco no essencial e o empenho na cobrança que a imprensa mostrou ao cobrir o Brasil para os estrangeiros, mas não mostra quando cobre o Brasil para os brasileiros.

Não é para se ufanar o fato de esse Rio de Janeiro da Olimpíada e esse Brasil que funciona só durarem o tempo de uma festa, de essa transitoriedade ser assumida pelos autores do feito e – pior que tudo! – de essa excepcionalidade ser pacificamente aceita pela imprensa, que devia falar pelos eleitores. Ser vira-lata, senhoras e senhores, é ter medo de parecer vira-lata… e ficar só nisso.

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