Uva preferida dos brasileiros, a Malbec deixou de dar vida apenas a tintos potentes. Ela se tornou um ótimo exemplo de como a enologia, com seu toque de ciência misturado à magia, consegue expandir a palheta de cores, sabores e perfumes de um vinho a partir da mesma matéria-prima. Para a felicidade dos fãs da Malbec, encontram-se hoje rótulos feitos a partir dessa cepa nas mais diferentes formas e composições, fruto do investimento de uma série de produtores — de espumantes a vinhos de sobremesa.
Um dos que apostaram no “milagre” da multiplicação da Malbec foi a vinícola Don Guerino, que tem os vinhedos na cidade de Alto Feliz, na Serra Gaúcha. Ela é hoje a brasileira com maior gama de produtos à base dessa uva, a exemplo do espumante Brut, fresco e com acidez característica da região, que inaugurou a linha em 2010. Curiosamente, a produção de tintos teve que esperar na fila, dado o sucesso do espumante. Como toda Malbec da propriedade era destinada à produção do espumante, foi preciso aumentar a plantação para a produção dos tintos. Como resultado desse investimento, a Don Guerino ostenta atualmente o maior vinhedo de Malbec do Brasil, segundo Maicon Motter, responsável pelas áreas de administração e comercial da vinícola..
O enólogo que trouxe as ideias e o manejo dessa cepa de taninos macios e doces foi o irmão mais novo de Maicon, Bruno Motter, de 35 anos, que estudou enologia em Mendonza, lugar onde esta variedade é ícone e de onde trouxe todo conhecimento. “Nossa ideia não é copiar, queremos nos inspirar, mas adequar ao nosso terroir. Nosso Malbec, como o Torrontez, não é de deserto, pois nosso clima é fresco, tem montanhas, e isso se espelha nos vinhos”, explica Bruno. Ele também fala com orgulho do título de ter o primeiro vinho brasileiro da uva Torrontés, qualidade branca que produz um vinho muito aromático e floral, lançado em 2017. “Como essa uva é prima-irmã das moscatel, ele teve ótima adaptação no nosso terroir”, explica.
Para o início da primavera, eles devem lançar um Clariet (um rosé com mais algumas horas de prensa, na intenção de dar mais corpo ao vinho) de Merlot, Malbec e Tannat. E parece que os lançamentos não devem parar por aí. “Estamos sempre de olho no mercado, mas sem esquecer da nossa proposta que é fazer vinhos que entregam mais do que os consumidor paga”, diz. De fato, os rótulos têm uma boa relação entre o custo e o benefício. O Malbec Vintage custa R$ 99 e o espumante Brut de Malbec R$ 63 — ambos são boas opções de vinhos jovens e bem vinificados.
No caso dos brancos a partir da Malbec, a pioneira na produção foi a Trivento, marca Argentina da gigante Concha Y Toro. A primeira safra do White Malbec foi em 2019 com produção de 533 mil garrafas. É um vinho que tem um residual de açúcar um pouco mais elevado, cerca de 5%, e um bom custo (na faixa dos R$ 60). Não por acaso, costuma fazer bastante sucesso nas piscinas Brasil afora.
Na mesma linha de expansão de vinhos produzidos a partir da Malbec, a bodega boutique Penedo Borges, situada em Alto Agrelo, Mendoza, lançou há duas safras um Blanc de Malbec e um Malbec Colheita Tardia. “Para a produção do Blanc coloca-se na prensa a primeira colheita da Malbec, feita em fevereiro, logo depois da nossa Sauvignon Blanc, antes da plenitude da maturação para produção de tintos. O enólogo fica ali, ao lado da prensa, em um trabalho totalmente artesanal.
Quando surge naquele ‘suco’ o primeiro fiozinho de cor, a prensa é parada imediatamente e é começada a vinificação”, conta Eduardo Paes de Andrade, responsável pela operação da Penedo Borges no Brasil. É possível sentir esse caráter artesanal desse rótulo, que tem uma produção diminuta, cerca de 5 mil garrafas, exatamente por conta do processo de produção. A bebida que sai desse processo é muito fresca e tem surpreendido os apreciadores de Malbec pela acidez e vivacidade. Passando para os tons de rubis mais profundos dos Malbec que envelhecem em madeira, chegamos ao Colheita Tardia. Como o nome sugere, ele é feito com uma parcela especial das uvas da última colheita do vinhedo. Os brasileiros ainda estão aprendendo a saborear essa variedade, mas ela já é bem conhecida na Europa e na Argentina. Nesses locais, costuma ser servido para fechar refeições com um prato de queijos curados, mas é possível perfeitamente encerrar uma refeição com sobremesa à base de cremes de baunilha ou chocolate amargo.
Para os apaixonados por essa uva, segue aqui uma deliciosa missão: desbravar todos os tons de Malbec. Qual o seu preferido?