Acompanho o trabalho de Whindersson Nunes desde seu início no YouTube. Gosto de grande parte dos esquetes dele no site – em especial a série na qual compara a vida de rico, com a de pobre (hoje, o humorista de 24 anos conta com experiência em ambos os lados). Como os de títulos “Criança de rico e criança de pobre”, “Escola de rico e escola de pobre”, dentre outros da linha. Assim como em nada me diverte – pelo contrário – alguns de seus deslizes. Destaco, em especial, o “Como não ser estuprada”, um vídeo antigo em que não só criticava quem estava por trás da #eunaomerecoserestuprada, como também se propunha a dar absurdas “dicas” a vítimas de estupro – e, ressalta-se, seriam “dicas” para serem seguidas por mulheres durante o ataque sexual (em meu livro O Clube dos Youtubers revelo detalhes de bastidores de como esse esquete acabou por ter repercussões bem negativas ao youtuber; mas ele soube contornar de maneira inteligente, e sincera).
Para o mesmo livro que cito, também conversei com a mãe de Whindersson, o pai, amigos, e com ele próprio. É surpreendente a trajetória do comediante, independentemente de seus deslizes. Uma carreira fantástica que agora o levou a um especial na Netflix.
Assisti à apresentação na Netflix. Três vezes (o que prova que ruim, não é). Whindersson é um ás em arrancar risadas, constrangedoras ou não. Porém, apesar de o stand-up chamar “Adulto”, falta maturidade, em diversos momentos. De um youtuber já consagrado (com 36 milhões de seguidores em seu canal), famoso e milionário, com shows feitos ao redor do planeta, esperava-se muito mais.
“Adulto” traz as mesmas dualidades que podem ser encontradas no canal do próprio Whindersson. Não só isso, reflete o mundo cheio de contradições do YouTube, e da internet (no geral).
No auge do stand-up, Whindersson demonstra sua habilidade em tecer, indiretamente, críticas sociais acerca do abismo entre os mais pobres e os mais ricos no Brasil. Retoma com as anedotas sobre Jeredy, personagem hilário que criou ainda na internet – o filho mimado de uma família rica. Assim como tira sarro dos preços abissais de restaurantes caros, ou mesmo do próprio casamento. Faz o mesmo ainda ao narrar visita à casa de Luciano Huck, que, segundo a piada de Whindersson, chamaria seus empregados de “pobre”, por não saber o nome de cada um (e seriam muitos). Ou quando relata um jantar com Neymar. Esse é o auge de qualidade do show.
Contudo, Whindersson volta a recorrer a gracejos que fazem lembrar daquele Zorra antigo, que via graça na tirada “isso é uma bichona”. Uma comédia que não só pega mal no tenso cenário atual da nação, como deixou de ter graça – e, principalmente, originalidade – há bom tempo.
Aí entra o excesso de tiradas sobre o órgão sexual masculino. É “pega no meu pau” pra lá, “pega no meu pau” pra cá. Assim como uma penca de anedotas de conotações que podem ser tidas como homofóbicas – há citações em demasia ao sexo anal.
Ou outras nas quais enaltece a aparência nórdica (no caso, do Sul do país, onde nasceu sua esposa, Luísa Sonza – tema desse outro texto deste blog), enquanto tem como feio os nordestinos – ele é do Piauí (vale frisar: o autor deste texto tem laços baianos na família). Ou mesmo quando usa “estupro” para tirar gargalhadas da plateia. Ou ainda no momento em que enaltece o fluxo de brasileiros para fora do país; fazendo lembrar daqueles que acham que pode ser mais descolado fritar hambúrguer nos EUA do que seguir uma carreira empolgante que tenha impacto positivo no próprio país, o Brasil.
Os risos da audiência indicam que esse tipo de humor ainda pode ter efeito em alguns. Porém, além das questões morais em torno das manifestações (voluntárias ou não) de preconceitos, atesta-se o quão démodé são esses gracejos. É nisso que Whindersson aparenta desconectado da realidade. Não só da realidade política e social de seu próprio país. Mas também da realidade daqueles com os quais faz piada.
“Bom humor é passar a mão na bunda do guarda”, uma vez me disse Gregório Duvivier (citando Antonio Prata), outro que ganhou o YouTube antes de se expandir por tudo quanto é canto. “O riso está diretamente ligado ao risco. Tentamos não rir do desprivilegiado, pois este muitas vezes nem tem como se proteger. Corajoso não é chutar cachorro morto. Mas rir de baixo para cima”.
É interessante comparar o stand-up de Whindersson ao humor (muitas vezes, falta de humor) que tem prevalecido nas redes sociais. Se por um lado o comediante se revela desconectado da realidade, ele se mostra conectado ao universo virtual. Algumas de suas piadas parecem tuítes, daqueles que respondem ao que for com xingamentos escatológicos, ou com pilhérias de conteúdo intrinsecamente ligado ao antigo e datado (bem anos 1980) recurso de humilhar minorias com o objetivo de motivar gargalhadas.
É inegável, portanto, que o espetáculo de Whindersson serve muito bem como fruto do humor de uma boa parcela do povo do Twitter, ou do YouTube. Todavia, assim como Jair Bolsonaro, Trump, terraplanismo, Terça Livre, Carla Zambelli e a Unite the Right também são, ou foram, frutos do humor de uma boa parcela do povo da internet.
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“Adulto” seria mais adulto – e corajoso – se vencesse alguns dos preconceitos que o show (assim como as redes sociais) insiste em apresentar – friso: mesmo que de forma impensada. Em outras palavras, se ousasse mais e passasse a mão na bunda do guarda.
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