Trilobitas eram carniceiros oportunistas, diz estudo
Animais ocuparam os oceanos por 200 milhões de anos
Por 200 milhões de anos, uma criatura peculiar dominou o fundo dos oceanos. Parentes distantes das aranhas e dos caranguejos, os Trilobitas eram abundantes e tiveram um importante papel no ecossistema marinho. Apesar da presença essencial, cientistas não sabiam muito sobre seu comportamento. Seus hábitos alimentares, por exemplo, eram uma incógnita – pelo menos até agora. Um artigo publicado nesta quarta-feira, 27, revela que sua refeição principal era, basicamente, composta de pequenos animais com conchas.
Ao analisar um dos fósseis desses animais, descoberto em 1908, numa pequena cidade próxima a Praga, na República Checa, os pesquisadores descobriram que o intestino estava cheio de fragmentos de conchas pertencentes a diversos grupos de animais diferentes, como ostracodes e equinodermos. Os cientistas ainda sugerem que eles provavelmente eram carniceiros oportunistas, se aproveitando de animais mortos ou pequenos o suficiente para serem engolidos vivos.
O estudo ainda revela que, apesar dos hábitos necrófagos, esses animais também poderiam ser vítimas desse processo funesto. Além do conteúdo intestinal, os pesquisadores também observaram traços na carcaça que sugerem que, depois de mortos, os trilobitas também eram consumidos por outros oportunistas que, curiosamente, preferiam não consumir o intestino.
“Essa foi uma descoberta muito importante porque apesar de muitos fósseis já terem sido descobertos, nenhum deles foi encontrado com o conteúdo estomacal íntegro o suficiente para ser analisado”, afirma à VEJA o paleontólogo da Universidade de Uppsala, na Suécia, e coautor do artigo publicado na Nature, Per Ahlberg. “Ficamos muito emocionados quando vimos o resultado dessa descoberta.”
De fato, é de se surpreender que até agora isso ainda fosse desconhecido. O primeiro fóssil de trilobita foi descoberto em 1870, no Brasil, e, desde então, pelo menos algumas dezenas de milhares já foram descritos. Mas existe uma explicação. A maioria dos fósseis encontrados, na verdade, eram carcaças deixadas pelos animais durante o processo de crescimento – algo semelhante ao que as cobras fazer ao trocar de pele. Por isso, não havia como encontrar órgãos preservados.
Além disso, as técnicas para avaliar o interior dos fósseis não tinham uma boa resolução, o que desanimava os pesquisadores. Agora, os paleontólogos tiveram acesso a uma tecnologia chamada de tomografia síncrotron, que permitiu uma análise bem mais sofisticada. “Nosso estudo também mostra que essa técnica é uma ferramenta realmente poderosa para investigar esses tipos de fósseis. Não apenas trilobitas, mas também outros artrópodes; e não apenas o conteúdo intestinal, mas outras partes da anatomia”, afirma Ahlberg.
Ele ressalta, entretanto, que ainda não é possível extrapolar os resultados para todos os trilobitas. Esses animais viveram por um longo período, entre 520 e 252 milhões de anos atrás. Além disso, eles eram muito diferentes entre si, podendo medir desde alguns milímetros e até mais de 60 centímetros. A espécime analisada pertencia à espécie Bohemolichas incola, mas, no futuro, os pesquisadores querem investigar outros representantes para entender melhor sobre seus curiosos papéis ecológicos.