Testes com animais garantem a segurança de voluntários humanos
A geneticista Mariz Vainzof, da USP, explica que, para desenvolver um tratamento aplicável aos seres humanos, é preciso passar por modelos animais
A geneticista Mariz Vainzof é coordenadora do Laboratório de Proteínas Musculares e Histopatologia Comparada do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP. Suas pesquisas são focadas em uma série de doenças musculares humanas, de origem genética. A principal disfunção estudada em seu laboratório é a distrofia de Duchenne, que atinge um entre cada 3.000 homens. Os meninos portadores da mutação nascem normais, mas demoram um pouco mais que os outros para começar a andar. Com o tempo, começam a ter quedas frequentes e dificuldade para subir escadas. Aos dez anos, a fraqueza muscular é tanta que eles precisam usar cadeiras de rodas. “Posteriormente, a fraqueza progride para os membros superiores, diafragma e coração, causando problemas respiratórios e cardíacos. Atualmente, a sobrevida aumentou por causa dos aparelhos de suporte ventilatório”, afirma Mariz.
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O objetivo de seu estudo é chegar à cura da doença. Mas, para desenvolver um tratamento aplicável aos seres humanos, o caminho é longo – e tem de passar por modelos animais. O primeiro passo é entender como a doença funciona. Para isso, estudam o próprio corpo do paciente, em busca dos genes que sofreram mutação e de proteínas que faltem em seus músculos.
Em um segundo momento, a pesquisa tem de ser transferida para as culturas de células. Ali, a cientista consegue realizar mudanças nos genomas, ver quais genes produzem quais proteínas e qual efeito essas proteínas podem ter sobre determinadas células. “Os estudos in vitro são uma ótima ferramenta para responder a uma série de questões. Posso ver, por exemplo, que determinado fármaco afeta determinada proteína. Mas e depois? O que faço com essa informação? Injeto a substância no paciente? Nenhuma mãe deixaria eu fazer um teste no seu filho”, diz Mariz. A pesquisadora destaca que, mesmo que existissem voluntários humanos, tal procedimento seria eticamente inaceitável: “Os testes em animais são utilizados justamente para verificar a segurança do uso dessa substância em organismos vivos mais complexos, antes de utilizá-las em humanos.”
Segundo a pesquisadora, chega um momento na pesquisa no qual a relação entre as diversas proteínas e o corpo tem de ser analisada de forma sistêmica, levando em conta o organismo com um todo. Ao testar um fármaco em um animal, ela poderia analisar seu funcionamento não só em um tipo de tecido – como acontece na cultura de células – mas levar em conta todos os sistemas do corpo, como circulatório, nervoso e imunológico. O resultado pode ser completamente diverso. Segundo a pesquisadora, todos os testes com animais precisam ser aprovados por comitês de ética e seguem protocolos internacionais.
Em sua pesquisa, Mariz elaborou um possível tratamento baseado no uso de células-tronco extraídas da medula óssea dos camundongos. Sua ideia inicial, que parecia promissora a partir dos experimentos in vitro, era simples: injetar as células-tronco no músculo dos ratos e esperar pela cura. Ao analisar o animal, no entanto, não encontrou a proteína em seus músculos. Examinando mais a fundo, também não achou a célula inserida, nem seu DNA. “O tecido não durou dois dias no corpo do camundongo. Imagine se eu tivesse feito o teste em humanos. Íamos fazer um procedimento invasivo, ficar em dúvida sobre seu efeito e procurar pela proteína, quando, na verdade, essas células já teriam sido eliminadas logo no começo do experimento. Viu que resposta importante os camundongos nos deram?”, pergunta.
O resultado fez a pesquisadora retroceder em alguns passos seu estudo, para analisar que tipos de células-tronco conseguem se fixar no local. “A ciência avança desse modo: pedaço por pedaço. Cada tijolo de informação adicionado vai formando uma estrutura cada vez mais sólida, tornando o ato seguinte mais embasado. O resultado não é imediato. Mas o objetivo final é curar os pacientes”, diz.