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Terras à vista

Vasculhar o universo atrás de planetas com as mesmas características da Terra é um desafio estatístico e também tecnológico. Mas os cientistas garantem: ainda acharemos um mundo parecido com o nosso

Por Marco Túlio Pires
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h59 - Publicado em 23 set 2011, 23h40

Faz apenas 19 anos que os cientistas descobriram os primeiros planetas fora do Sistema Solar – ou exoplanetas. Hoje são 685 confirmados e outros 2.000 candidatos. Mas quase nenhum pode abrigar alguma forma de vida, obsessão maior dos caçadores de novos mundos. Uma rara exceção é o planeta HD 85512 b, a 36 anos-luz de distância, um dos 50 achados mais recentes do Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês). Mas por que é tão difícil encontrar um exoplaneta como a Terra? Como os astrônomos descobrem mundos fora do Sistema Solar? Em entrevista ao site de VEJA, astrônomos explicam o desafio de esquadrinhar o universo atrás de exoplanetas, falam do empenho e técnicas para acelerar o ritmo das descobertas e garantem: ainda acharemos um mundo parecido com o nosso.

Requisitos – Para que possa abrigar vida como a conhecemos na Terra, um planeta precisa cumprir uma série de requisitos. “O mais importante é estar situado na zona habitável da estrela”, diz o físico Claudio Melo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e astrônomo do ESO. Trata-se da região em volta das estrelas onde a quantidade de energia solar que o planeta recebe permite a existência de água líquida na superfície, essencial à formação de vida. É onde foi encontrado o HD 85512 b. E, claro, é onde está a Terra, que ocupa bem o centro da zona habitável do Sistema Solar.

Outro requisito é que o planeta seja rochoso, como a Terra e Marte. Um planeta gasoso, como Saturno é Júpiter, é considerado um ambiente hostil demais à vida. Nestes casos, as esperanças seriam depositadas em suas eventuais luas – como Europa, o mais famoso satélite de Júpiter, ou Enceladus, de Saturno.

Além da posição e composição do planeta, entram também na conta: o tipo, o tamanho e a temperatura de sua estrela; a existência, disposição e dimensões de luas e planetas vizinhos; a duração do ano, a inclinação do planeta; o formato e a idade da galáxia; entre muitas outras variáveis. A lista de requisitos pode ser tão longa que acabam descartados praticamente todos os exoplanetas conhecidos – ou por conhecer. E para complicar, ao contrário das estrelas, planetas não têm brilho próprio, o que torna sua identificação um enorme desafio.

Zona habitável ()
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Técnicas – De acordo com Melo, existem dois métodos de maior sucesso para caçar exoplanetas. Um deles se chama técnica de trânsito e é usada pelo Observatório Espacial Kepler, da Nasa, a agência espacial americana. A outra, batizada de velocidade radial, está presente em um instrumento do ESO responsável pela confirmação dos 50 exoplanetas mais recentes, chamado HARPS.

A técnica de trânsito consiste em medir a diminuição de luz emitida por uma estrela quando um objeto passa à frente dela. “Se essa diminuição ocorrer de maneira cíclica e o objeto bloquear uma quantidade de luz suficiente, quer dizer que há um mundo orbitando aquela estrela”, explica Melo.

Já o método da velocidade radial é um pouco mais complicado, apesar de ter o mesmo princípio: medir uma variação periódica no comportamento dos astros. Esta técnica identifica se o movimento de uma estrela está sendo influenciado pela gravidade de um eventual planeta em sua órbita. Quanto maior a influência, maior a massa do planeta. Para medir esta influência, os telescópios do ESO verificam se a estrela está “bamboleando” em função da presença de planetas. Se estiver, as ondas de luz emitidas vão se achatar ou se espaçar conforme a estrela se aproxime ou se afaste da Terra. Quando as ondas se achatam, a luz captada pelos instrumentos astronômicos tenderá à região violeta do espectro de cores. Quando se afastam, apontará para a região vermelha, no extremo oposto do espectro de luz visível. Essa variação na frequência da luz é chamada pelos físicos de Efeito Doppler, e é o que explica, por exemplo, a diferença do barulho que um carro faz ao se aproximar ou se afastar de um observador.

Dificuldades – As duas técnicas, de trânsito e velocidade radial, deduzem a existência dos planetas de modo indireto a partir de perturbações extremamente sutis. Os cientistas da Nasa acreditavam que o Kepler seria capaz de captá-las com relativa facilidade e com isso descobrir muitos exoplanetas do tamanho da Terra orbitando estrelas parecidas com o Sol. Estavam enganados.

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Com o Kepler e sua técnica de trânsito, os astrônomos conseguem encontrar exoplanetas do tamanho aproximado da Terra e igualmente distantes de sua estrela, mas a experiência mostrou que é preciso muito tempo para recolher e corrigir as informações. “Para que o observatório detecte outras Terras, o tempo da missão terá que ser estendido para aumentar a quantidade de observações e corrigir ruídos”, explica Melo. “Seriam necessários três ou quatro anos para confirmar a existência de um planeta como o nosso.”

Já com a técnica da velocidade radial, usada no ESO, é possível achar astros rochosos e do tamanho da Terra. “Mas não tão distantes de sua estrela quanto o nosso planeta dista do Sol”, explica Francesco Pepe, astrônomo da Universidade de Genebra, Suíça, e coordenador do projeto HARPS. O astrônomo calcula que as orbes normalmente encontradas por este método estão em média 10 vezes mais próximas de suas estrelas do que a Terra. Ou seja, fora da zona habitável.

Vida, sim. Mas inteligente?

Com bilhões e bilhões de galáxias, a chance de haver vida em outro canto do universo é bastante razoável, certo? Depende, diz o paleontólogo Peter Ward. Quanto a micróbios e bactérias, ele diz que há toda a probabilidade de encontrá-los longe da Terra. Mas, quanto à vida inteligente, a chance é praticamente nula. Afora a inviabilidade de escarafunchar cada galáxia do universo, Ward defende em seu ‘Sós no Universo?’ que formas complexas de vida exigem uma combinação única de fatores. ‘Somos produto de um lance de sorte.’

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‘Pequena revolução’ – Pepe é o chefe do projeto ESPRESSO, uma espécie de evolução do HARPS que vai aumentar em 100% a precisão das medições atuais do ‘bamboleio’ das estrelas. Quando os astrônomos apontam o telescópio que contém o HARPS para determinada região do céu a fim de medir o movimento de uma estrela, o equipamento utiliza uma lâmpada fosforescente como padrão para comparar com o raio de luz captado. “Essa comparação é necessária, porque a atmosfera da Terra provoca ruídos nas ondas de luz que precisam ser compensados via algoritmos de correção”, explica Melo. O problema é que a lâmpada perde a capacidade com o tempo. “Ela vai perdendo a força e deixa o instrumento míope, comprometendo a precisão dos resultados.”

A solução para o problema é trocar a lâmpada por uma tecnologia que utilize o laser, fonte de luz muito mais estável. O projeto ESPRESSO, do ESO, vai usar um novo instrumento chamado Laser Frequency Comb (LFC, Pente de Frequência Laser), que já está sendo desenvolvido por vários grupos de pesquisa, um deles em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

O astrônomo José Renan de Medeiros, chefe do grupo brasileiro que está participando no desenvolvimento de um LFC, diz que o protótipo do instrumento terá efeito imediato na caça aos exoplanetas. “A maior precisão do equipamento pode provocar uma pequena revolução, permitindo encontrar mais exoplanetas dentro da zona habitável de várias estrelas”.

Antevendo a ‘pequena revolução’, Medeiros montou um time de cientistas do Brasil que está trabalhando em uma amostra de 20 estrelas bem parecidas com o Sol, todas elas possuindo uma espécie de ‘Júpiter’. “A existência de um sistema planetário como o Sistema Solar parece depender fortemente da presença de um gigante gasoso”, explica Medeiros. “São planetas que protegem os vizinhos do bombardeio de outros corpos, assim como Júpiter protegeu a Terra, sobretudo no início da formação de vida”.

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Com toda dificuldade, é possível encontrar um planeta como a Terra? “Idêntico, é provável que não”, diz Pepe. “Mas um planeta bem parecido, isso sim”, acredita. “De qualquer forma, só teremos a resposta se continuarmos procurando”.

Os caça-planetas do ESO

HARPS ()

HARPS

O High Accuracy Radial velocity Planet Searcher é um instrumento de alta precisão instalado em 2002 no telescópio de 3,6 metros no Observatório de La Silla, Chile. Ele utiliza a técnica da velocidade radial para encontrar planetas fora do Sistema Solar e possui uma precisão de 1 metro por segundo. A Terra, por exemplo, induz uma velocidade radial de 9 centímetros por segundo no Sol.

ESPRESSO ()

ESPRESSO

O Eschelle SPectrograph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations é um instrumento de altíssima precisão que ainda está em fase de construção. Ele será usado a partir de 2016 no Very Large Telescope do ESO, situado no deserto de Atacama, no Chile. Utilizando um padrão laser, o instrumento será capaz de encontrar planetas do tamanho da Terra na zona habitável de estrelas parecidas com o Sol. O instrumento terá uma precisão mínima de 10 centímetros por segundo, mas o objetivo é conseguir uma precisão ainda maior.

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