Os nossos ancestrais da Idade da Pedra provavelmente não tinham noção do próprio nariz como os humanos contemporâneos — que o diga o burocrata Kovaliov, personagem do conto O Nariz, de Nikolai Gogol. Mas o aparelho olfativo era fundamental para a sobrevivência deles, como demonstra uma curiosa experiência envolvendo sensibilidade a odores de um grupo internacional de cientistas. O artigo resultante foi publicado no fim do ano passado na revista científica iScience.
O estudo investigou se os humanos atuais compartilham o sentido do olfato com seus primos denisovanos e neandertais, agora extintos, que deixaram a África e se espalharam pelo mundo há cerca de 750.000 anos. “Esta pesquisa nos permitiu tirar algumas conclusões mais amplas sobre o sentido do olfato em nossos parentes genéticos mais próximos e entender o papel que desempenhou na adaptação a novos ambientes e alimentos durante nossas migrações para fora da África”, disse a antropóloga Kara C. Hoover, da Universidade do Alaska em Fairbanks, coautora principal do levantamento.
Usando uma técnica que permite testar a sensibilidade do cheiro em receptores de odor cultivados em laboratório, os pesquisadores conseguiram comparar as habilidades de cheiros dos três tipos de humanos. Com base em bancos de dados de genomas públicos, incluindo antigas coleções de DNA reunidas pelo geneticista sueco Svante Pääbo, os cientistas conseguiram caracterizar os receptores de cada uma das espécies observando os genes relevantes.
Eles testaram as respostas de 30 receptores olfativos cultivados em laboratório de cada hominídeo contra uma bateria de cheiros para medir a sensibilidade de cada tipo de receptor a uma fragrância específica. Os testes de laboratório mostraram que os receptores humanos modernos e antigos detectavam essencialmente os mesmos odores, mas suas sensibilidades eram diferentes.
Os denisovanos, que viveram de 30.000 a 50.000 anos atrás, demonstraram ser menos sensíveis aos odores que os humanos atuais percebem como florais, mas quatro vezes melhores em sentir enxofre e três vezes melhores em balsâmico. E eles estavam muito sintonizados com o mel. Já os neandertais, que ainda existiam há cerca de 40.000 anos e que aparentemente trocaram alguns genes com os humanos modernos, eram três vezes menos receptivos a aromas verdes, florais e picantes, usando praticamente os mesmos receptores que temos hoje.
Os humanos atuais estão no meio do caminho. “Esta é a pesquisa mais empolgante em que já participei”, disse o coautor do estudo Matthew Cobb, da Universidade de Manchester. “Isso mostra como podemos usar a genética para perscrutar o mundo sensorial de nossos parentes há muito perdidos, dando-nos uma visão de como eles perceberam seu ambiente e, talvez, como conseguiram sobreviver.”
Os receptores de odor têm sido associados às necessidades ecológicas e dietéticas em muitas espécies e presumivelmente evoluem com elas. “Cada espécie deve desenvolver receptores olfativos para maximizar sua aptidão para encontrar comida”, disse o coautor Hiroaki Matsunami da Universidade de Duke. “Nos humanos é mais complicado porque comemos muitas coisas. Não somos realmente especializados.”