Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

O projeto que vai levar ao espaço mais de 30 mil obras artísticas

O Lunar Codex funcionará como uma cápsula do tempo para a posteridade

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 27 ago 2023, 08h00

Foi na Grécia antiga que tudo começou. O filósofo grego Teofrasto, discípulo de Aristóteles e seu sucessor no Liceu de Atenas, teve a ideia de pôr um bilhete enrolado dentro de uma garrafa, fechá-la e jogá-la ao mar. O sábio helênico teria usado o recurso para estudar as correntes oceânicas. Só mais tarde a prática se tornaria veículo para pedidos de socorro ou até de simples mensagens de esperança. No século XXI, o conceito entrou na órbita espacial. Em 1969, a Apollo 11 levou à Lua um disco de silício com mensagens de paz de líderes de mais de setenta países. Em 1977, as sondas Voyager 1 e 2 carregaram para o infinito e além dois discos dourados contendo tesouros da humanidade como a gravação do Prelúdio e Fuga em Dó do Cravo Bem Temperado, de Bach, na interpretação de Glenn Gould, e Johnny B. Goode, de Chuck Berry, com a curadoria do astrônomo e divulgador científico Carl Sagan (1934-1996). A ideia: esses frascos embebidos de civilização poderiam, lá na frente, ser decifrados por alienígenas — busca que nos fascina, aqui no planeta Terra.

ABRAHAM ANGHIK RUBEN - Um dos principais ímãs de atenção do escultor tem sido a história do contato entre os vikings nórdicos e os inuítes, como ele. Paulatuk Owl, selecionada para a travessia, é uma homenagem a sua terra natal.
ABRAHAM ANGHIK RUBEN – Um dos principais ímãs de atenção do escultor tem sido a história do contato entre os vikings nórdicos e os inuítes, como ele. Paulatuk Owl, selecionada para a travessia, é uma homenagem a sua terra natal. (The Windrift Collection/.)

Agora, com os avanços tecnológicos e a quase infinita capacidade de armazenamento, o sonho de gente como Sagan parece se multiplicar. E os receptáculos, que nos anos 1960 e 1970 eram fisicamente limitados, são capazes de carregar museus inteiros, com preferência para nomes ainda sem destaque, mas que representam a rica variedade de culturas do mundo.

GUSTAVO RAMOS - Com participação em exposições no Rijksmuseum, em Amsterdã, e na Sotheby’s, em Nova York, o artista, natural de Maringá, participa do projeto com a tela Winter, que está no catálogo de Realismo Figurativo.
GUSTAVO RAMOS – Com participação em exposições no Rijksmuseum, em Amsterdã, e na Sotheby’s, em Nova York, o artista, natural de Maringá, participa do projeto com a tela Winter, que está no catálogo de Realismo Figurativo. (Acervo Gustavo Ramos/.)

Eis a ambição de um projeto batizado como Lunar Codex. Ele foi idealizado por Samuel Peralta, físico semi­aposentado e colecionador de arte do Canadá. Trata-se de uma coleção digitalizada e miniaturizada de arte contemporânea, poesia, revistas, música, filmes, podcasts e livros de mais de 30 000 artistas de 158 países — inclusive do Brasil, é claro. “Como ainda não completamos o conteúdo das cápsulas e há muitos artistas brasileiros em nossos bancos de dados, é possível que muitos ainda sejam selecionados”, disse Peralta a VEJA. Entre os nomes já certos despontam os artistas plásticos Gustavo Ramos, Aline Brant, Lucio Carvalho e Melissa Meier, além do escritor Fábio Fernandes. Eles foram incluídos depois de cuidadosa busca em revistas de artes. “Pensar que a imagem de uma de minhas pinturas estará preservada na Lua me deixa emocionado”, disse Ramos a VEJA.

OLESYA DZHURAYEVA - As gravuras da ucraniana já foram expostas ao redor do mundo. Tears, a obra selecionada para ser posta em órbita, faz parte de um acervo que tem como tema a guerra na Ucrânia.
OLESYA DZHURAYEVA – As gravuras da ucraniana já foram expostas ao redor do mundo. Tears, a obra selecionada para ser posta em órbita, faz parte de um acervo que tem como tema a guerra na Ucrânia. (@olesyadzhurayeva/Instagram)

O lote do Lunar Codex está dividido em quatro “garrafas”. A primeira, batizada Orion, já voou ao redor da Lua no ano passado, como parte da missão Artemis I, da Nasa. Até o fim do ano, outros arquivos multimídia, as coleções Neon e Peregrine, serão instalados permanentemente em crateras no polo sul e numa planície do satélite dos namorados. A última, a coleção Polaris, ganhará o firmamento no fim de 2024. As coleções estão armazenadas em cartões de memória de uma inovadora tecnologia chamada NanoFiche, manufaturada com placas à base de níquel que podem armazenar até 2 000 páginas de texto por centímetro quadrado. É muito mais do que podia acondicionar os discos de quarenta anos atrás.

Continua após a publicidade
PEQUENINOS - Samuel Peralta com uma das placas de níquel: armazenamento
PEQUENINOS - Samuel Peralta com uma das placas de níquel: armazenamento (Lance McMillan/Getty Images)

As duas iniciativas — a do final do século XX e a de agora — pretendem perpetuar o nosso tempo, feito de beleza, mas também de guerras, de elegância e estupidez, de delicadeza e grosseria. Jamais saberemos se alguém terá contato com o conteúdo a viajar pelo éter. Pouco importa, como registrou Sagan, lindamente: “Há apenas uma chance infinitesimal de que a placa seja vista por um único extraterrestre. Sua verdadeira função, portanto, é expandir o espírito humano, e fazer com que o contato com a inteligência extraterrestre seja uma expectativa bem-vinda da humanidade”. Não é pouca coisa alimentar essa quimera.

Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.