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‘Na ciência, leva muito tempo até que alguém perceba que algo é útil’

Em entrevista a VEJA, Marc Abrahams, criador do prêmio IgNobel, falou sobre a láurea e os desafios da ciência contemporânea

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 11 out 2023, 11h13 - Publicado em 11 out 2023, 08h00

Desde 1991, anualmente, a revista Annals of Improbable Research realiza uma cerimônia de pompa na Universidade Harvard para entregar o prêmio IgNobel. Criado por Marc Abrahams, a honraria se difere da láurea entregue pela Academia Real das Ciências da Suécia aos pesquisadores mais influentes do mundo, e busca chamar a atenção para pesquisas e empreendimentos mais infames, que primeiro fazem rir e, depois, pensar. 

Em setembro a cerimônia chegou à sua 33ª edição e já conta com mais de 300 premiados. Entre a lista, estão os experimentos mais improváveis, que vão de engenharia com aranhas mortas a algoritmos que ajudam fofoqueiros a mentir estrategicamente. Engana-se, no entanto, quem pensa que a diversão não vem também com seriedade. 

Formado em matemática aplicada pela Universidade de Harvard e autor de cinco livros, Abrahams é aficionado por ciência e defende a importância de estudos muitas vezes descritos como inúteis para a construção do conhecimento que leva aos verdadeiros prêmios Nobel. Em entrevista a VEJA, ele falou sobre a história da premiação, a importância desse tipo de pesquisa e os desafios da ciência contemporânea. 

Marc, o prêmio IgNobel foi criado em 1991 e você esteve envolvido nisso, certo? Pode nos contar um pouco sobre essa história? De onde veio a ideia? Em 1990, me tornei editor de uma revista científica e desde o início conheci todo o tipo de pessoas que faziam coisas muito surpreendentes. Alguns deles eram famosos ou conhecidos, mas a maioria não. Pensei ‘isso é errado, essas pessoas vão trabalhar a vida inteira, vão morrer e ninguém saberá o que fizeram, alguém deveria fazer alguma coisa’. Então pensei que nós poderíamos fazer algo, mesmo que pequeno. Foi assim que começamos essa cerimônia. Tivemos muita sorte no primeiro ano, porque tudo correu bem, tivemos um grande público, escolhemos alguns vencedores, convidei algumas pessoas famosas da ciência e elas vieram, convidei alguns jornalistas científicos e eles também participaram. Porque tudo funcionou, no próximo ano fizemos numa escala muito maior. Isso continuou acontecendo e agora chegamos à 33ª edição. Uma lição para você é: tome cuidado ao começar algo, você nunca sabe aonde vai levar. 

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Vocês escolheram premiar a ciência que faz rir e depois pensar. Quão importante é isso? Demorou sete ou oito anos para conseguirmos descrever isso claramente. Sabíamos o que estávamos fazendo, mas exigia muito mais palavras para explicar. Nós não nos limitamos à ciência, premiamos tudo o que tenha essa característica, às vezes é um prêmio de paz, às vezes de literatura ou arte. Mas tem que ter essa característica. Deve fazer qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, rir ao ouvir a história. Se fizermos um bom trabalho, os prêmios vão ficar na cabeça das pessoas por mais alguns dias, elas vão querer contar para os amigos e conversar sobre. Mesmo quando eu era pequeno gostava de coisas que tinham essa característica. Gosto de pensar que outras pessoas também terão um pouco desse prazer. A maioria dos prêmios vai apenas para pessoas que já são famosas e já ganharam muitos prêmios. Nós tentamos fazer o oposto.

Esse ano não teve um prêmio para a categoria de paz. Por que? Essa é outra coisa sobre o IgNobel que é diferente dos outros prêmios. A maioria deles tem categorias e todos os anos oferecem prêmios nessas mesmas categorias. Não é assim que funciona para nós. Escolhemos os vencedores e depois tentamos descobrir as categorias em que se encaixam. Vou te dar um exemplo. Demos um prêmio, há cerca de 25 anos, a um homem no Canadá, chamado Troy Hurtubise. Ele passou vários anos construindo uma armadura para o proteger de ursos. Ele queria poder ficar próximo desses animais sem ser morto por um deles. Ele optou por testar essa armadura pessoalmente. Com o passar do tempo o traje ficou maior e mais pesado e ele foi desenvolvendo maneiras mais vigorosas de testá-o. Chegou um ponto em que ele entrava embaixo de caminhões e pedia para pessoas baterem na armadura com tacos de basebol, esse tipo de coisa. Em que categoria isso se encaixa? levamos meses para chegar a um consenso e finalmente criamos uma para engenharia de segurança.

Muita gente caracteriza esse tipo de pesquisa, assim como algumas pesquisas básicas, como inúteis, principalmente quando estão relacionadas às ciências humanas. Como você responde a isso? Existe pesquisa inútil? Tudo é inútil para a maioria das coisas e útil para alguns poucos propósitos. Na ciência, muitas vezes leva tempo até que alguém perceba que algo é útil e leva mais tempo ainda até que a maioria das pessoas concorde com isso. Vimos um exemplo, há alguns dias, no Nobel, com a premiação da pesquisadora que fez algumas descobertas básicas que levaram às vacinas que nos mantiveram vivos durante a pandemia. Em sua carreira, ela basicamente foi demitida várias vezes, porque as pessoas para quem ela trabalhava consideravam a pesquisa inútil. A maioria das coisas na ciência é assim em seus estágios iniciais. 

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O IgNobel premiou recentemente políticos como Donald Trump e o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, pela sua incapacidade de apoiar a ciência e, assim, de serem mais influentes na vida e na morte das pessoas do que os médicos. Como evitar essas esse tipo de liderança? Acho que foram nove presidentes de países diferentes, a categoria era educação médica. O que o prêmio dizia é que eles venceram por demonstrar que os políticos têm efeitos muito mais fortes e mais rápidos na vida e na morte das pessoas do que os médicos. Não é verdade? Alguém deveria recompensá-los por isso. Tenho certeza de que eles estão orgulhosos de poderem ter e de conseguirem usar esse poder. Os governos são necessários, porque há muitas coisas que todos consideram importantes, mas ninguém tem tempo e paciência para cuidar delas. Procuramos alguém que pelo menos diga ter tempo e paciência para fazê-lo. Esses são os políticos. O problema é que eles têm que tomar decisões sobre coisas que nem todo mundo concorda. Portanto, os políticos têm trabalhos extremamente difíceis e frustrantes. E muitos deles não são bons nisso. Alguns deles são.

Agora, uma coisa que surgiu, ou pelo menos se tornou mais proeminente nesses governos, foi a negação científica, certo? Por que isso aconteceu e como combatê-la de forma eficaz? A ideia da ciência é bastante simples: tentar descobrir o que é real e o que não é. Às vezes, os políticos não querem que as pessoas descubram o que é real. O problema nasce quando alguém assim assume uma posição de poder em qualquer lugar. Não sei como evitar que isso aconteça. Se você descobrir, me avise.

Agora, algo que é muito perceptível e frequentemente criticado no Prêmio Nobel é a desigualdade e a falta de representação. Por que você acha que isso não muda? e isso é algo que vocês levam em consideração no IgNobel? Estamos sempre muito conscientes disso nos nossos prêmios. Não posso falar em nome de quaisquer outros prêmios, mas é difícil quando você está escolhendo qualquer coisa porque, não importa o que você esteja escolhendo, existem muitas maneiras de fazer. Você escolhe o maior, o mais antigo, o mais colorido ou o que for. Quando você escolhe um caminho, você está deixando de lado todos os outros caminhos possíveis. Matematicamente é impossível equilibrar todos eles. Isso não significa que a questão deva ser ignorada, mas é um problema difícil. 

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Ao longo dessas 33 edições do IgNobel, você tem algum favorito? Existem muitos deles. Se você me perguntar em um dia diferente, eu lhe darei uma resposta diferente, com certeza. Um deles, por vários motivos, é o que ganhou o prêmio IgNobel de Biologia em 2003. Foi para um pesquisador da Holanda que estuda pássaros e que fez uma descoberta por puro acaso. Ele escreveu a observação em um trabalho científico e esse foi o primeiro registro científico de necrofilia homossexual em um pato-real. Quando você conta isso para as pessoas, é interessante dizer as palavras lentamente, porque todos começarão, instantaneamente, a formar uma história em suas cabeças e qualquer que seja a história que estejam formando, está errada. É uma história maravilhosa, completamente inesperada e o cientista é um contador de histórias extremamente bom. Ele conta as coisas com muita clareza e, por isso, muitas coisas boas aconteceram em sua carreira. Ele foi notado por muitos veículos de comunicação, tão bom que é em descrever coisas incomuns. Agora ele é chefe de um museu, um pouco por causa da participação dele no IgNobel. Essa é a minha resposta de hoje.

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