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Mania de criar árvore genealógica ajuda polícia dos EUA a desvendar crimes

Ao baixarem testes de DNA em plataformas on-line para descobrir ancestrais, usuários abrem brechas para autoridades usarem dados em investigações

Por Bruna Motta
Atualizado em 19 jul 2019, 16h56 - Publicado em 19 jul 2019, 06h30

Quem acompanha a série CSI e suas ramificações costuma ficar pasmo com as técnicas usadas para chegar ao autor do crime. Nenhuma delas, porém, vai tão além da imaginação quanto a chamada genealogia genética forense, um ramo de investigação que consiste em inserir material da cena do crime em bancos de dados genéticos abertos à população em geral e seguir a trilha do DNA. Foi assim que Paul Holes, especialista em escarafunchar crimes arquivados sem solução, os chamados cold cases, identificou há pouco mais de um ano o célebre assassino do Golden State (como a Califórnia é conhecida), apelido dado a um matador em série que aterrorizou a cidade de Sacramento e vizinhanças quarenta anos atrás. O culpado era um ex-policial, Joseph DeAngelo, que, aos 72 anos, desfrutava a aposentadoria na mesma área onde matou e estuprou treze pessoas. Desde então, a técnica já foi usada nos Estados Unidos para identificar mais de quarenta criminosos. “O método está revolucionando a forma como a polícia conduz seus casos “, afirma Holes.

Os alicerces da genealogia genética forense estão no teste de DNA para determinar a ancestralidade (confirmar paternidade e detectar doenças genéticas, por exemplo) e no uso dos resultados para montar árvores genealógicas on-line, hoje uma mania nos Estados Unidos. A partir de 79 dólares (cerca de 300 reais), qualquer um pode fazer o teste em sites especializados enviando uma amostra de saliva pelo correio (os kits estiveram entre os itens mais vendidos pela Amazon na última Black Friday). O próximo passo é baixar o resultado do teste de DNA em uma das várias plataformas que montam árvores genealógicas, de geração em geração, através de comparação com os dados das outras pessoas lá registrados.

Trabalhando no maior desses serviços, o GEDmatch, com 1,2 milhão de usuários, a polícia americana tem chegado a criminosos do passado. O intermediário entre as amostras esmaecidas pelo tempo e o resultado final é o laboratório Parabon NanoLabs, no Estado da Virgínia — sua investigadora-chefe de genética forense, CeCe Moore, ex-atriz que começou como amadora, rastreando a própria árvore genealógica, é hoje a maior autoridade no assunto. “Já demonstramos amplamente o poder da genealogia genética. Ela veio para ficar”, afirma Moore, cuja equipe pesquisa cerca de 100 casos.

Os dados das empresas que armazenam amostras de DNA são exclusivos dos clientes. Mas, no momento em que a pessoa baixa a informação no GEDmatch e em sites afins, que são gratuitos, ela deixa de se submeter a regras de privacidade — e a polícia pode ter acesso ao material. Abriu-se assim um campo de comparação infinitamente mais amplo que o Codis, o banco de dados do FBI que armazena o DNA de criminosos. As investigações pelo novo método sofreram um baque em maio passado, quando se levantou pela primeira vez a questão ética sobre o sigilo das informações. O site mudou seu estatuto, dando aos clientes a opção de não abrir seus resultados. Moore e outros pesquisadores temem que as restrições se disseminem e atrapalhem seu trabalho. Defensores das liberdades individuais acham que ainda é pouco.

PESQUISA - Laboratório genético: dados particulares ajudam a polícia (./Divulgação)

No caso do serial killer da Califórnia, a equipe de Moore comparou o DNA de uma amostra de esperma colhida em uma das vítimas com os perfis de DNA arquivados no GEDmatch, montou uma árvore genealógica e chegou a dois primos de DeAngelo. Rastreando os movimentos da família por notícias de jornal, registros públicos e, mais recentemente, redes sociais, chegou ao DeAngelo que mo­rava nas proximidades dos crimes quando eles aconteceram. Em um posto de gasolina, aproveitando uma distração, a polícia obteve uma amostra de seu DNA na maçaneta do carro. Comparou e… eureca. DeAngelo confessou e cumpre prisão perpétua.

No Brasil não existe nada parecido — o mais próximo de pesquisa genética individual é a plataforma Genera, fundada em 2010, que faz o teste de DNA. Seu dono, o médico Ricardo di Lazzaro Filho, considera que o acesso da polícia aos dados é questão que ainda precisa ser discutida. “A sociedade como um todo terá de tomar posição”, disse a VEJA. Nos Estados Unidos, enquanto isso, as buscas seguem aceleradas. No começo de julho, William Talbott II, 56 anos, um motorista de caminhão calmo e pacato, foi julgado no Estado de Washington pelo assassinato de um casal de jovens canadenses em 1987. A pesquisadora Moore traçou sua árvore, chegou a um casal que morava a 10 quilômetros de onde os corpos foram achados, focou seu filho único, de 24 anos, e… eureca. Uma caneca que havia caído de seu caminhão confirmou a coincidência de DNA e Talbott foi condenado (aguarda a sentença). Ele não confessou. Pela primeira vez, a genealogia genética foi, sozinha, a prova que levou para a cadeia o responsável por um crime, enfim, desvendado.

Publicado em VEJA de 24 de julho de 2019, edição nº 2644

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