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Ciência desvenda um mistério sobre genialidade da ‘Mona Lisa’, de Da Vinci

Experimentador obsessivo, o artista usou na obra compostos químicos que nunca antes tinham sido aplicados a uma pintura

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 21 out 2023, 08h00

O que mais dizer de Leonardo da Vinci (1452-1519), um dos mais conhecidos personagens da história da civilização? Convém iluminar, para além da genialidade do artista, cientista, filósofo e engenheiro, sua infinita capacidade de misturar as disciplinas. Era o modo pelo qual ele compreendia, explicava e reproduzia o que havia ao redor. Como pintor, recorreu à anatomia para criar imagens que se parecessem ao máximo com as figuras que retratava. Era famoso pelo seu rigor. Passou dezesseis anos lidando com o retrato de Lisa Gherardini, mulher de um rico mercador florentino de seda.

No fim, mandou às favas a comissão que o patrono lhe prometera para terminar, com atraso e por sua conta e risco, aquela que se tornaria sua obra magistral, a Mona Lisa, hoje pendurada em uma parede exclusiva no Museu do Louvre, em Paris, atrás de um vidro blindado. Foi ela quem alavancou a fama incomparável do mestre. E nenhum trabalho humano foi mais comentado, investigado, escrutado — e copiado — do que a Gioconda, a sorridente. A tela, feita há mais de 520 anos, acaba de ganhar um outro pentimento, com a revelação de um segredo em sua preparação.

Um grupo de cientistas e historiadores de arte da França e do Reino Unido verificou a existência de plumbonacrita. O material, um mineral com alto teor de chumbo e aparência de madrepérola, ainda não tinha sido detectado em pinturas renascentistas italianas, embora tenha sido encontrado em telas do holandês Rembrandt, datadas do século XVII. Na investigação, os especialistas usaram instrumentos de raio X e ferramentas de radiação infravermelha em um naco de meio milímetro do suporte de madeira escondido por trás da moldura para chegar à descoberta.

EXPERIÊNCIAS - Artista incomum: Leonardo usava a ciência para tentar reproduzir melhor o mundo à sua volta
EXPERIÊNCIAS - Artista incomum: Leonardo usava a ciência para tentar reproduzir melhor o mundo à sua volta (Stock Montage/Getty Images)

Os pesquisadores identificaram várias crostas de tinta, com óleo e chumbo branco, o que era previsível, mas também a surpreendente plumbonacrita. “Leonardo provavelmente queria preparar uma tinta branca espessa o suficiente para cobrir o painel de madeira da Mona Lisa, tratando o óleo com uma alta dose de óxido de chumbo”, escreveram os autores do trabalho em artigo publicado no Journal of the American Chemical Society. Para entender o que essa descoberta significa, para além do mergulho no modus operandi das pinceladas, vale explicar como os renascentistas trabalhavam. As pinturas eram feitas em camadas, sendo que a mais superficial, em geral branca, era obtida com derivados de chumbo. Sobre esse fino lençol de tinta eram feitos os primeiros traços que guiariam o artista na elaboração da imagem.

A brancura tinha o valor de uma página virgem. Servia também como “refletor” da luz que atravessava as camadas superiores de tinta e dava a ilusão de profundidade para o observador. A presença de plumbonacrita nos compostos mostra que Leonardo, sempre à frente de seu tempo, experimentava novas formas de tornar a tinta mais grossa e também de explorar essa consistência na obtenção de efeitos que tornariam mais realistas suas imagens. Ao revisar os manuscritos do polímata, anotador compulsivo, os estudiosos encontraram informações imprecisas que, cotejadas com a atual análise, confirmam as evidências de um obsessivo que não parava de experimentar, em busca da perfeição.

arte Gioconda

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Leonardo — eis outro aspecto desnudado — dissolvia o pó de óxido de chumbo, de cor laranja, em óleo de linhaça ou de noz, aquecendo a mistura para formar uma pasta mais espessa e de secagem mais rápida. O resultado é uma tinta a óleo de coloração dourada com a consistência semelhante à do mel. “Essas descobertas contribuem para o nosso conhecimento das técnicas de Da Vinci, tanto para a Mona Lisa quanto para A Última Ceia”, disse a VEJA a cientista francesa Marine Cotte, da Instalação Europeia de Radiação Síncrotron (ESRF) e da Universidade de Sorbonne, envolvida no estudo.“É conhecimento útil para a compreensão da evolução das técnicas, mas também para a preservação de pinturas.”

Parece não haver fim na descrição das centelhas de Leonardo. É como se a Mona Lisa, entre a leveza e a ironia, não parasse de provocar a humanidade. Eis a beleza da inteligência humana. Ou, como escreveu o americano Walter Isaacson, autor da mais completa biografia do italiano: “Leonardo era um gênio da arte e da ciência, um mestre do pincel e da pena, um visionário que viu o mundo de uma forma que ninguém mais tinha visto antes”.

Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2023, edição nº 2864

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