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As lições de confinamento da Antártica para a temporada de reclusão

A experiência da missão brasileira no continente pode ser aproximada da situação atual e ajudar a manter a saúde durante o distanciamento social

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 abr 2020, 11h19 - Publicado em 3 abr 2020, 06h00

Isolamento. Eis uma palavra que se tornou inseparável do nome da doença que fez todas as potências do planeta curvar-se, a Covid-19. Se é irrefutável a eficácia do confinamento no combate ao surto epidêmico que castiga o mundo inteiro, não é possível negar quanto pode ser nocivo para o corpo humano manter-se por longo período fechado entre quatro paredes. Assim, para mitigar tal efeito, é providencial observar de que modo a ciência enfrentou o problema em situações algo semelhantes às que perto de um terço da humanidade está vivendo hoje. Um bom exemplo são as missões a territórios inóspitos como a Antártica, que no momento abriga uma equipe de militares do Brasil. É de lá que chegam algumas lições para quem não pode pôr os pés fora de casa.

Os cerca de 250 cientistas brasileiros que anualmente realizam estudos no continente gelado — assim como os astronautas enviados ao cosmo e mesmo os profissionais que atuam em submarinos ou plataformas de petróleo offshore — habitam ambientes chamados tecnicamente de ICE, sigla para definir locais “isolados, confinados e extremos”. As reações adversas de quem está submetido a situações que envolvem ICE frequentemente são estudadas em profundidade para que, dessas análises, surjam estratégias para amenizar os danos, físicos e mentais, que experiências de tal natureza possam provocar. Esse é o papel do projeto SaúdeAntar, que integra o Programa Antártico Brasileiro, vinculado à Universidade Federal Fluminense e ao Instituto de Pesquisas Heloísa Marinho, que coletou dados durante o último verão na Antártica, entre outubro e março. Com o estudo coordenado pelo psiquiatra Jairo Werner Júnior, doutor em saúde mental e professor da UFF, a instituição segue investigando os efeitos do isolamento e do confinamento naquele continente. A psicóloga Paola Barros Delben, do Laboratório Fator Humano, da Universidade Federal de Santa Catarina, voltado para o comportamento humano em ambientes ICE em geral, também tem na missão brasileira à Antártica um de seus objetos de estudo. Para ambos, é possível pensar em aproximações entre aquela experiência e o distanciamento social propagado contra a Covid-19 — o que pode resultar em dicas úteis para a população (veja algumas delas no quadro ao lado).

As orientações vão ao encontro das conclusões de Werner Júnior a respeito da expedição ao continente gelado, mas é preciso, alerta ele, guardar as devidas diferenças. “No caso da Antártica, o objetivo para as pessoas se colocarem naquela situação é profissional. Já em relação ao confinamento por causa do coronavírus, cabe a cada um dimensionar a própria experiência e enxergar o momento como parte da jornada da vida”, explicou o cientista. “No continente gelado, imaginamos determinados eventos, como uma virada de tempo brusca, que podemos enfrentar de forma prática. Na atual quarentena, ao contrário, é impossível sair para enfrentar o problema diretamente — e vivenciar isso pode significar adoecer”, compara o médico. “Por essa razão é importante buscar fontes confiáveis de informação e encontrar atividades que tragam relaxamento e diminuam a ansiedade: ler um livro, ouvir música, desenvolver um novo hobby. Esta pode ser uma oportunidade de autoconhecimento”, comenta Werner Júnior.

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Sem desprezar as consequências físicas de um longo período em ambientes ICE, Paola Barros Delben chama atenção também para os impactos psicológicos observados em indivíduos que trabalham naquelas condições — e que podem ser relacionados às populações em quarentena imposta pela Covid-19. Alguns deles: transtorno de stress agudo, depressão, abuso de álcool e outras drogas vistas como suposto alívio para uma situação considerada insuportável. “Esses impactos podem causar o afastamento de pessoas mais próximas, incluindo as que dividem o mesmo teto, e potencializam o risco de morte”, alerta a psicóloga. “O resultado pode ser medido mesmo na economia, pois cerca de 50% dos indivíduos que estão expostos a situações de emergência podem apresentar alguns daqueles sintomas mais graves”, advertiu. Para Werner Júnior, é importante reconhecer a fase em que se está mergulhado e o momento de pedir ajuda. “É natural que exista o medo. Contudo, ele é um sentimento para garantir a sobrevivência, para que se consiga fugir de uma ameaça. Quando o medo domina o indivíduo a ponto de lhe causar paralisia, é hora de pedir auxílio”, afirmou o médico.

A astronauta americana Christina Hammock Koch ficou 328 dias na Estação Espacial Internacional. Para superar o isolamento, gostava de fazer exercícios e de socializar-se. Era um modo de estar consigo e com os outros. Detalhe: antes da viagem, Christina passou temporadas na Antártica (a Nasa costuma preparar suas equipes em estações polares). Sim, há lições do gelo para esta espécie de inverno que está escurecendo a Terra.

Publicado em VEJA de 8 de abril de 2020, edição nº 2681

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