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‘A floresta só tem valor se for em pé’, diz Elias Araújo

Em entrevista a VEJA, novo gestor do Centro de Bionegócios da Amazônia falou sobre planos da nova administração e potencial da bioeconomia

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 out 2023, 17h48 - Publicado em 25 out 2023, 17h47

Em 2002, o governo brasileiro fundou o Centro de Biotecnologia da Amazônia. Com uma área de 12 mil metros quadrados, o projeto buscava acelerar a exploração sustentável da região. 20 anos depois, no entanto, com baixo investimento, a utilização foi menos robusta do que poderia. Agora, o programa entra em nova fase. Transformado em organização social, renomeado Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA) e sob gestão de Elias Araújo, da Fundação Universitas de Estudos Amazônicos (Fuea), o centro promete mudar a vida das populações locais.

Até esse ano, o CBA estava sob gestão da Superintendência da Zona Franca de Manaus, responsável pela construção da estrutura, mas com poucas brechas para incorporação de novos recursos. A transformação em OS, prometida pelo presidente Lula desde a campanha e efetivada em maio, abre novas possibilidades de investimentos e exploração do potencial local.

O espaço conta com 26 laboratórios, espaço para encubamento de empresas, central de produção de extratos e instalações de apoio. A Fuea, em parceria com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT-SP), será a responsável pela administração pelos próximos quatro anos. 

SOB NOVA GESTÃO - Vice Presidente da República Geraldo Alckmin durante Assinatura do Contrato de Gestão do Centro de Bionegócios da Amazônia em Manaus, ao lado de Elias Araújo, à direita, e Bosco Saraiva, superintendente da Suframa, à esquerda
SOB NOVA GESTÃO – Vice Presidente da República Geraldo Alckmin durante Assinatura do Contrato de Gestão do Centro de Bionegócios da Amazônia em Manaus, ao lado de Elias Araújo, à direita, e Bosco Saraiva, superintendente da Suframa, à esquerda (Cadu Gomes/VPR/Divulgação)

O contrato de gestão foi assinado em julho, pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e, além das metas, prevê um investimento de 48 milhões de reais por parte do governo e a captação de outros 120 milhões por parte da organização social. Os desafios, no entanto, não serão poucos – só a reforma, de acordo com um laudo recente, poderá custar 30 milhões de reais aos gestores. 

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Em entrevista a VEJA, Araújo, Antônio José Oliva Veloso e José Renato Santiago, responsáveis pela gestão, falaram sobre os planos e estratégias da nova administração e sobre o potencial do CBA. 

Quais os planos da nova gestão para o Centro de Bionegócios da Amazônia?

Elias Araújo – Nós temos algumas metas a serem cumpridas e a principal, que não está no plano de gestão, mas será a nossa prioridade, é melhorar a infraestrutura do CBA. É um prédio de 22 anos que ao longo desse tempo não passou por manutenções periódicas, os equipamentos são do início do seu funcionamento. Hoje, é um imóvel com 15 mil metros quadrados que precisa ser reformulado. Quanto a estratégia, faremos um grande planejamento para extrapolar a atuação na Amazônia ocidental e avançar para a Amazônia real. Nossa estratégia é fazer com que o CBA seja um elo de interação e sinergia para melhorar as nossas commodities. É preciso que esses produtos gerem valor agregado e condições mínimas de renda para as comunidades. Hoje nós temos o PIM, o polo industrial de Manaus, que atende somente a capital. Nós queremos expandir isso para toda a Amazônia Real, para evitar o êxodo dessas comunidades, levar condição de renda e fazer com que eles sejam uma parte forte da cadeia de produção. Nós temos grandes pesquisadores aqui na Amazônia e a pesquisa vai agregar valor a essas commodities. Além de buscar novos produtos, o CBA também vai identificar as necessidades da indústria e buscar a solução na floresta.

Podem dar alguns exemplos de projetos que estão sendo idealizados e que poderão ser desenvolvidos a partir do CBA?

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Elias Araújo – Vou começar pelo município de Maués. Lá nós já temos a planta de uma biofábrica para trabalhar o pau-rosa, que é uma das grandes novidades atualmente. Lá também precisamos retomar a exploração de guaraná. Em Codajás e Anori, que são os maiores plantadores de açaí, precisamos aumentar a escala. Perto de Itacoatiara temos uma das maiores plantações de abacaxi do planeta, precisamos pensar em algo para não desperdiçar esse alimento. Em Roraima existe uma vasta prateleira de produtos pecuários e agrícolas. Rondônia está avançada em alimentos e agronegócios. No norte também existe o tucumã, que pode ser aproveitado integralmente e que hoje é subutilizado, temos projetos para aumentar essa exploração. Vamos gerar produtos finais que sejam nossos e tenham valor agregado. 

E como vai ser essa ponte com a indústria?

Elias Araújo – Lembra do abacaxi? Se a gente tirar a coroa nós temos algumas toneladas de produtos que podem ser utilizados na fabricação de tecidos. O curauá pode ser convertido em termoplásticos. Existem muitas soluções que podem ser exploradas e precisam ser apresentadas para as indústrias. Elas também precisam nos abastecer com fomento para o desenvolvimento desses produtos. 

É possível melhorar a economia da região sem causar mais desmatamento, se aproveitando apenas do extrativismo que já existe?

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Elias Araújo – Na Amazônia ocidental o desmatamento caiu de forma substancial e a tecnologia nos ajuda a monitorar tudo isso. Queremos encontrar soluções inteligentes, de forma técnica, que não degradem o meio ambiente. Isso está no nosso DNA. Também tem um trabalho de educação para que a comunidade respeite o meio ambiente. O que nós também pretendemos resolver é o aproveitamento dos resíduos gerados aqui para criar uma energia mais limpa. Isso vai levar anos, mas o CBA vem para trazer conscientização, agregando o que for benéfico. Para o CBA a floresta só tem valor se for em pé, com preservação e respeito aos povos tradicionais. O social e a renda tem que chegar juntos. 

Como a bioeconomia pode mudar a realidade dessas populações?

Antônio Oliva – A bioeconomia não vem para substituir a matriz econômica do polo industrial, mas para se somar a matriz que já existe. Nós teremos o enfoque de atender as necessidades das indústrias, criando materiais sustentáveis e biodegradáveis, por exemplo. Hoje, muitas soluções são utilizadas apenas para o autossustento e não chegam para o resto da Amazônia ou para o resto do Brasil. Incluir as comunidades no modelo de negócios pode mudar essa realidade. Elas farão parte de uma cadeia de produção e o valor agregado deverá chegar a quem tem o conhecimento tradicional. Esse não é só um objetivo, é uma das metas definidas no contrato de gestão – parte do investimento precisa ser feito na cadeia de extração. Quando os conhecimentos tradicionais são utilizados, há obrigatoriedade por lei de repartição dos recursos. Nós nos movimentamos junto ao Ministério dos Povos Originários para que o povo que detém o conhecimento receba parte dos recursos. A castanha é um exemplo. Existem regiões em que há a possibilidade de extração de 50 toneladas por mês, isso pode ser convertido em muitos produtos com alto valor agregado nas biofábricas. 

Desde a inauguração, em 2002, a atividade foi bem mais modesta do que poderia ter sido. Por que isso ocorreu e como vocês planejam contornar essa dificuldade?

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Elias Araújo – O CBA foi concebido de forma bem ousada, mas quando nasceu, se tornou um órgão complementar da Suframa. Por ser um ente público, o órgão não tinha a flexibilidade de fazer captações, repasses e aquisições porque não estava no escopo da Sulframa e, por isso, talvez por questões orçamentárias, o CBA não foi colocado como uma prioridade, ficou como segundo plano. Em algum momento, ele foi gerido apenas por uma pessoa, isso talvez tenha gerado alguns entraves. Agora, com a expertise que nós adquirimos ao longo desses seis anos de atuação, nós vimos a possibilidade de invadir a Amazônia com grandes projetos. A ideia é criar uma nova matriz econômica para a região. Nós temos condições de criar biofábricas. Nós temos cultura de alimento, mas temos espaço para ser conquistado na área de fármacos e cosméticos e assim competir, não apenas nacionalmente, mas também a nível internacional. 

CBA - 12 mil metros quadrados: 20 anos de subutilização
CBA – 12 mil metros quadrados: 20 anos de subutilização (Isaac Júnior/Suframa/Divulgação)

Em quatro anos vocês precisarão arrecadar 120 milhões de reais, correto? Como planejam fazer isso?

José Renato – Nós temos um grande programa ligado à agricultura familiar, chamado de Mais Pescado. Não entraremos em muitos detalhes por enquanto, mas o projeto está pronto e nós acreditamos que com ele consigamos atingir a nossa meta em um ano e meio. Além disso, na nossa linha estratégica, nós temos várias formas de captação. Em seis anos, nós captamos 300 milhões, com uma equipe muito menor. Hoje nós temos a expertise, somos a maior fundação de apoio à pesquisa e desenvolvimento na região norte, temos certificação ISO 9000, recebemos a certificação de great place to work, e estamos trazendo alguns parceiros, como o Instituto Amazônia 4.0. Nossa expectativa é que alcancemos esses 120 milhões em muito menos tempo. 

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Além do Amazônia 4.0, já existe alguma outra cooperação firmada? e como vai funcionar essa relação?

José Renato – Com o Instituto Amazônia 4.0 nós já temos um acordo de cooperação técnico assinado, com a Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares (CONAFER) também, o próprio PT está vindo para Manaus. O CBA vai ser um espaço onde vários parceiros poderão se instalar. Nós já temos mais de 20 laboratórios em funcionamento, mas eles precisam ser potencializados e precisamos melhorar a infraestrutura para que nós possamos ter condições para receber outros institutos e potencializar novos negócios. Neste primeiro ano vamos melhorar a infraestrutura e lateralmente buscar as captações. No segundo ano vamos passar a atacar de forma consistente os projetos, no terceiro ano queremos começar a fazer pedidos de patentes e no quarto ano teremos a prova final com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. 

Por que vocês optaram por mudar o nome de Centro de Biotecnologia para Centro de Bionegócios?

Elias Araújo – Nós mudamos o nome de biotecnologia para bionegócios, porque ao longo do tempo o CBA só pagava bolsas, o projeto começava e não tinha fim. Ao longo de muitos anos não houve consistência na pesquisa. Nós tivemos que sair da biotecnologia para o bionegócio para que a pesquisa seja voltada para a implementação de negócios. Hoje existem vários projetos tecnológicos desenvolvidos, mas sem aplicação. Temos que criar um novo modelo de negócios para a Amazônia em que essas soluções sejam convertidas em aplicações sustentáveis. 

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