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No Maracanã, o milagre da multiplicação dos índios

Depois que o governo do estado resolveu criar um estacionamento nas ruínas do antigo Museu do Índio, ocupantes do local saltaram de uma dezena para uma centena, criando na zona norte o que seria a segunda maior concentração indígena no estado

Por Cecília Ritto e Thiago Prado
15 jan 2013, 19h53
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  • De tênis Nike, mascando chiclete, um índio monta guarda no portão que dá acesso ao antigo Museu do Índio, na zona norte do Rio. Para os indígenas, aquele território é uma aldeia em plena Avenida Maracanã. Para o governo do estado do Rio, dono da área, o terreno será o novo estacionamento do estádio que receberá a final da Copa de 2014. Desde sábado, quando a polícia tentou invadir o local, os indígenas redobraram os cuidados e passaram a controlar o acesso ao antigo museu. Atualmente, quem quer ver índio sem tênis e celular vai à Rua das Palmeiras, em Botafogo, onde funciona o novo Museu do Índio. Mas o projeto de abrir espaço para o novo Maracanã colocou em pé de guerra os silvícolas e o estado. A questão será decidida na forma do homem branco: na Justiça.

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    O problema central é que, depois da saída do museu, um grupo de índios vive há seis anos entre os prédios mal conservados na vizinhança do Maracanã. E recusam-se a sair. Há, por parte do governo do estado, uma promessa de pagamento de aluguel social para quem for prejudicado pela obra.

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    Deu-se, recentemente, o milagre da multiplicação dos índios no Maracanã, como mostram dois momentos da área em disputa. A Defensoria Pública da União ajuizou uma ação civil pública com o objetivo de impedir o estado de retirar os índios do local. A Justiça Federal, por sua vez, autorizou a demolição. O desembargador Marcus Abraham foi ao terreno em novembro de 2012, onde ficou por uma hora antes de dar o seu parecer. Na ação, o desembargador relata ter encontrado apenas cinco indígenas, entre as 15 pessoas que lá estavam no dia da incursão. Em conversa com os índios, foi dito a Abraham que um grupo de 20 morava ali. Na segunda-feira, ao site de VEJA, os índios disseram ser 150, de 20 tribos diferentes. Ou seja, uma espécie de ‘Rio+20’ que põe à beira da Avenida Maracanã mais índios do que em duas das três terras indígena existentes no estado. De acordo com o IBGE, o Rio tem três territórios indígenas: Guarani Araponda, com 19 moradores; Parati-Mirim, com 133; e Guarani de Bracui, com 298, segundo o Censo de 2010.

    Uma das lideranças da ‘Aldeia Maracanã’ é Urutau Guajajara. Mas não procurem por este nome. Na cidade ele é chamado de Zé. Segundo ele, o número de moradores inflou desde que começou o impasse da demolição. Cerca de 40 índios se juntaram aos que já residiam no local. A versão dada, agora, pelos indígenas é de que há famílias no espaço e que quase todos estão lá desde 2006. Na ação, o desembargador afirma: “O número de índios presentes e residentes no local demonstrou ser menor do que o sugerido na ação civil pública, a partir do relato da existência de uma aldeia no local que se auto-intitula ‘Aldeia Maracanã'”. Abraham também ressalta a não existência de crianças, de unidades familiares e de unidade tribal. “Os índios lá presentes são de diferentes etnias, originários de diversas tribos, com as quais mantêm permanente contato”, afirma. Ou seja: não é uma aldeia, nem uma tribo.

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    Uma das conclusões a que o desembargador chega é de ser possível realizar as atividades, hoje ali existentes, em outro local. Ele sugere que as funções executadas no espaço – como as aulas de línguas indígenas, pintura corporal e dança – sejam transferidas para o Museu do Índio em Botafogo. Ao site de VEJA, Urutau rebateu: “Em Botafogo é o museu virtual. Aqui é onde há índios”, disse.

    O antigo museu, que não funciona há 30 anos, cai aos pedaços. E isso também é ressaltado pelo desembargador. “A falta de estrutura e condições mínimas do lugar atentam contra a integridade e dignidade das pessoas e dos índios ocupantes”, alerta o magistrado, na decisão.

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    Uma visita ao terreno e ao que restou do antigo museu é suficiente para notar as condições precárias. Nas paredes, há infiltrações, rachaduras, manchas de mofo. No teto de madeira, há buracos. As janelas têm apenas a moldura. Os vidros já se foram faz tempo. As portas não existem mais, apenas grandes retângulos para a passagem de uma sala a outra. Em um dos espaços do casarão, há barracas de camping, onde ficam, principalmente, os não-índios – sobretudo jovens. Os índios não são tão percebíveis quanto os brancos. Urutau aponta pela janela, mostrando onde os indígenas residem: “Naquelas ocas”. São, na verdade, construções de tijolos.

    Na segunda-feira, o Ministério Público Federal entrou com recurso para impedir o governo estadual de demolir o antigo museu. “Se o Estado agisse de acordo com o dever de proteger o interesse social, deveria considerar, na elaboração do projeto, que no entorno do Maracanã há um imóvel cuja proteção é do interesse da sociedade, e que, portanto, não pode ser destruído”, argumentou o procurador da República Newton Penna.

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    Nesta terça-feira, o governador Sérgio Cabral contestou a manutenção da ‘aldeia’. E acusou “ação política” na resistência do grupo do Maracanã. “Compramos o prédio por 60 milhões do governo federal. Compramos para garantir a mobilidade de milhares de pessoas que vão ao Maracanã. De repente, um grupo de pessoas invade em 2006 e quer criar factoide em torno de nenhuma referência histórica”, disse. “O espaço serviu por décadas para que os vendedores ambulantes guardassem as mercadorias em dias de jogos. Não era ocupado. O Museu do Índio é em Botafogo, com todo o acervo indígena. As pessoas que estão ali não ocupam o local desde 1406,1506, 1606, 1706, 1806 ou 1906. Ocupam desde 2006. É uma invasão recente. Chamar aquilo de aldeia indígena é deboche”, afirmou o governador.

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