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Filho de João Cândido, o Almirante Negro, pede justiça pela memória do pai

Ação do Ministério Público Federal pede compensação financeira e inclusão do líder da Revolta da Chibata no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 nov 2023, 17h34 - Publicado em 10 nov 2023, 14h28

Em novembro de 1910, cerca de 2 mil marinheiros tomaram o controle de embarcações da Marinha na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Eles pediam o fim de castigos corporais, as chibatadas, e eram liderados pelo marinheiro João Cândido Felisberto, ou simplesmente João Cândido, o almirante negro eternizado na música de João Bosco.

Os canhões dos navios são apontados para aquela que era a capital do Brasil na época, não com a intenção de bombardear, mas para chamar a atenção a práticas que ainda remetiam à recém-extinta escravidão. O estopim para a revolta foi a punição do marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes, açoitado com 250 chibatadas.  

O motim tomou grandes proporções e João Cândido foi alçado a herói e celebridade. Mas, assim como cresceu, a revolta foi abafada a ponto de a sua importância ter sido invisibilizada por muitos anos.

Os marinheiros que sobreviveram tiveram a anistia negociada na época. João Cândido, no entanto, apesar de também ter sido anistiado, foi duramente perseguido, até ser expulso da Marinha, em 1912. Ele morreu em 1969, aos 89 anos, na pobreza.  

Hoje, a história é contada e recontada por Adalberto Cândido, o seu Candinho, único filho vivo de João Cândido. “É uma história muito bonita, é uma história de um herói popular. Um país que não tem história não é um país, e meu pai deixou uma parte da história do Brasil”, diz à Agência Brasil.

Candinho defende a construção da Casa de Memória Marinheiro João Cândido. O museu será construído pela Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj), em parceria com a prefeitura de São João de Meriti, onde Candinho nasceu e onde o pai viveu grande parte da vida.  “Agora já tem peça de teatro, tem doutorado, tudo que você imaginar. Tudo que possa ter ele tem”, afirma. “Se antes apenas citar o nome de João Cândido já trazia consequências para quem o fazia na Marinha, hoje batem continência para mim”.

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O reconhecimento é recente, e ainda tem um longo caminho. A família luta por reparação financeira do Estado e pela inclusão do nome do almirante negro no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Criado em 1992, o livro de aço – abrigado no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília –, registra os nomes das pessoas que tiveram uma trajetória importante na formação da história do país. Entre elas, estão, por exemplo, Tiradentes, Chico Mendes e Machado de Assis. 

João Cândido nasceu em 1880, em Encruzilhada (RS), e era filho de escravizados. Ao longo da vida, teve pelo menos sete filhos. Entrou para a Marinha em uma época que a corporação reunia jovens excluídos socialmente. A maior parte dos marinheiros era negra. Segundo o filho, João Cândido tinha muito talento e chegou a dar aulas para oficiais, além de operar navios de alta tecnologia para a época, como o Minas Geraes, usado na Revolta da Chibata.

Mesmo anistiado, o marinheiro foi expulso da corporação e teve dificuldades de conseguir emprego. Viveu da pesca, segundo o filho, “até a estrutura dele não dar mais”, e se manteve sempre próximo ao mar. “Ele dizia que o mar era a família dele, um amigo”, conta o filho.   

Esta semana, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro solicitou uma manifestação da Comissão de Anistia e da Coordenação-Geral de Memória e Verdade sobre Escravidão e o Tráfico Transatlântico, ambas vinculadas ao Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania, em relação à reparação financeira aos familiares de João Cândido, e também em relação à inclusão do nome dele no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria. Ambas terão 30 dias para se manifestar.

O Ministério Público cita o direito à memória e à dignidade humana, garantidos na Constituição Federal, assim como o Estatuto da Igualdade Racial. O MPF também menciona tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, como instrumentos que exigiriam uma resposta do Estado brasileiro tanto em relação à reparação financeira quanto ao reconhecimento do papel de João Cândido como herói brasileiro.

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O MPF argumenta que, embora anistiado duas vezes – em 1910 e após a sua morte, em 2008 –, o marinheiro não chegou a receber nenhuma compensação. Pela carreira na Marinha, da qual ele foi privado, teria uma série de benefícios, não apenas para ele como para a família. A reparação econômica está, por lei, entre as garantias aos anistiados políticos no Brasil.

“Minha família vive toda com dificuldade. São trabalhadores. Então, se houver essa reparação para eles… Porque para mim, eu já estou mais para lá, com 85 anos, mas eles não”, afirma Candinho. “Os marinheiros foram anistiados, uns chegaram a capitão de corveta, capitão de fragata, meu pai não. Ele foi absolvido, mas não teve mais espaço na Marinha, nem indenização, nem nada”.  

A família de João Cândido se prepara para levar sua história para a avenida no Carnaval de 2024 do Rio de Janeiro. A Paraíso do Tuiuti irá homenagear o líder da Revolta da Chibata com o samba-enredo “Glória ao Almirante Negro”. “Recebi com muita gratidão essa notícia”, afirma Candinho. Ele irá desfilar em um dos carros alegóricos com outros familiares. “Querem até que eu faça ginástica, exercício físico.”

*Com Agência Brasil

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