A jornalista americana Sulome Anderson só conheceu o pai aos 6 anos — na tarde de dezembro de 1991 em que, depois de 2 454 dias de cativeiro, ele foi libertado por um grupo xiita libanês associado ao Hezbollah que o fizera refém. Terry Anderson tinha 44 anos. Era o chefe do escritório da agência Associated Press (AP) em Beirute. Os terroristas, apoiados pelo Irã, diziam retaliar o uso de armas americanas por Israel em ataques anteriores na direção de alvos muçulmanos e drusos no Líbano (atenção: tudo isso ocorreu há quatro décadas, não foi ontem). Buscavam também pressionar a administração do presidente Ronald Reagan a facilitar secretamente a venda de armas ilegais para as autoridades iranianas e, simultaneamente, financiar os “contras” da Nicarágua — em esquema embaraçoso que ficou conhecido como o caso “Irã-Contras”.
Anderson foi o último dos dezoito reféns ocidentais libertados pelos criminosos — ninguém ficou mais tempo sequestrado do que ele. Embora não tenha sido torturado durante o cárcere, chegou a ser acorrentado, segundo seu próprio relato. Passou um ano em confinamento solitário. “Não havia nada em que me agarrar, nenhuma maneira de tranquilizar minha mente”, disse. “Tentava orar todos os dias, às vezes por horas. Mas não havia nada ali, apenas um vazio. Falava comigo mesmo, não com Deus.”
Depois daquele episódio — um dos mais rumorosos dos anos 1980 e 1990 —, Anderson compraria um bar de blues em Athens, no estado de Ohio. Concorreu sem sucesso como candidato democrata para o Senado estadual, em 2004. Na Justiça, venceria um processo que o autorizou a receber 26 milhões de dólares em ativos iranianos. Ruim de negócios, faliria em 2009. Morreu em 21 de abril, aos 76 anos, de complicações de uma cirurgia cardíaca.
Da arte do ceticismo
O americano Daniel Dennett não veio ao mundo a passeio. Ateu e fervoroso evangelizador das ideias evolucionistas de Charles Darwin, o filósofo fez muito barulho ao opor, como muitos poucos, religião e ciência. Para Dennett, acreditar em um ser superior era mais do que simples perda de tempo: podia ser uma tremenda irresponsabilidade. Em nome desse ou daquele deus, argumentava ele, muita coisa errada acontece no mundo todos os dias — da proibição do uso de preservativos à violação dos direitos humanos. Em uma entrevista para a revista Superinteressante, da Editora Abril, instado a comentar a existência (ou não) do Todo-Poderoso, respondeu com a clareza que o fez popular: “Deus significa tantas coisas que essa pergunta é impossível de ser respondida. Para alguns, é apenas um nome para a beleza do universo e não tem nada a ver com forças sobrenaturais. Esse Deus, obviamente, existe. O que não existe é um agente sobrenatural que responde às nossas preces ou supervisiona e guia a evolução das coisas”. O legado de Dennett pode ser lido em mais de vinte livros, entre eles Quebrando o Encanto e A Perigosa Ideia de Darwin. Ele morreu em 19 de abril, aos 82 anos, em decorrência de problemas pulmonares.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, edição nº 2890