Cinco motivos que explicam a difusão de discursos nazistas no Brasil
Frustração com a política tradicional, dificuldades econômicas e força das redes sociais são alguns dos motivos apontados por sociólogos e historiadores
O flerte nazista do ex-secretário da Cultura Roberto Alvim não é exemplo isolado no Brasil e só conseguiu ser difundido no alto escalão do governo federal devido a cinco principais fatores, apontam sociólogos e historiadores ouvidos por VEJA. Segundo eles, falas com inspirações no nacional-socialismo alemão dos anos 1930 sempre existiram – e dificilmente deixarão de existir -, mas há momentos históricos, como o atual, em que são mais disseminados e melhor aceitos na sociedade.
Especialista em regimes autoritários e doutor em história comparada pela Universidade Autônoma de Barcelona, o italiano Steven Forti classifica como “extrema-direita 2.0” a de países com o Brasil. “Não são, na maioria, formadas por grupos de skinheads, de coturnos de couro, com uma conduta violenta. Esses grupos seguem existindo, mas a nova extrema-direita adotou um discurso mais ‘palatável’ à sociedade e não por isso deixa de fomentar discursos e práticas muito similares às que defendiam os nazistas, como políticas anti-migratórias”, exemplifica.
Confira uma lista com algumas das condições criadas para isso ocorra no país:
Ascensão da extrema-direita
Não há como desvincular a ascensão da extrema-direita ao poder (e no caso do Brasil, a vitória de Jair Bolsonaro e aliados) à difusão e aceitação pela sociedade de discursos com alusões totalitárias, incluindo o nazismo, dizem especialistas. “Grupos extremamente conservadores e de extrema direita se articulam após a vitória do presidente e ganham legitimidade”, avalia Aldo Fornazieri, cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
Especialista em regimes autoritários, o português Manuel Loff diz que, em política, não há criações “a partir do nada”. “A extrema-direita não foi inventada de repente, mas tem um campo de referência no fascismo e no nazismos dos anos 20 e 30”, disse o professor da Universidade do Porto.
“Mal-estar democrático”
A frustração com a política tradicional, após sucessivos escândalos de corrupção e falta de soluções para problemas práticos, relacionados à saúde e educação, por exemplo, reforçam um “mal estar democrático”. Este descontentamento, dizem os especialistas, fomentou o anseio por uma ruptura “com tudo o que estava aí” e o apelo a discursos fundamentalistas, por vezes, violentos.
“Falas de inspiração nazista ganham difusão em momentos de grande ressentimento social e polarização política,”, avalia Carlos Reiss, coordenador-geral do Museu do Holocausto de Curitiba. “Há um mal-estar político, uma ansiedade por uma ruptura, por criar um novo caminho histórico”, analisa Tiago Soares, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP).
Pobreza e desigualdade
Os desafios econômicos do país, com elevados índices de desigualdade e avanço da pobreza, acentuam o desconforto da população frente à democracia. “Normalmente ideais, que fazem alusão ao nazismo, não prosperam em sociedades onde há uma maior igualdade social e bem-estar”, diz Loff, da Universidade do Porto. “Quando a grande maioria da população se sentem bem dos pontos de vista material, simbólico e social, há muito menos espaço”, acrescenta.
Força das redes sociais
A emergência das redes sociais contribuíram para a articulação e visibilidade de forças com inspirações nazistas, dizem os pesquisadores. “As redes sociais e Internet causaram uma desorganização do mercado de opinião. Pessoas à margem do debate público, inclusive as com inspiração nazista, passaram a ter mais voz”, disse Tiago Soares, da USP.
Componente autoritário
Estudiosa do nazismo, a historiadora Priscila Ferreira Perazzo acredita que a população brasileira tem uma responsabilidade na ampliação de espaço dado a discursos de inspiração nazista. “Há um componente autoritário dentro da população brasileira, que no anseio de mudanças efetivas e rápidas, recorreu ao autoritarismo, que, não raro, flerta com o fascismo”, disse. Segundo ela, o autoritarismo e o totalitarismo vêm em ondas, que se desgastam e voltam a ganhar apelo. “A diferença é que o totalitarismo busca controlar o comportamento das pessoas, por meio da propaganda, da cultura e da educação”, explica a professora da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.