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Chocolate contra o crack

Em São Bernardo do Campo, alimentos calóricos, filtro solar e protetor labial têm funcnionado melhor que as pistolas elétricas nas cracolândias. Cidade mantém 250 usuários em tratamento

Por Pâmela Oliveira, do Rio de Janeiro
25 dez 2012, 07h02
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  • As levas de usuários de crack que perambulam pelas cidades brasileiras não deixam dúvida: as pedras vendidas por poucos reais são uma ameaça para além do alcance de medidas isoladas de combate ao crime e de assistência social. A proliferação das cracolândias tem característica de epidemia, de sintoma da miséria e de um grave problema de segurança pública – assim como as demais atividades ligadas ao tráfico. Soluções mais radicais, como a internação compulsória, surgem como medida extrema para submeter menores de idade ao tratamento, mas é sabido que dificilmente se consegue manter em uma clínica tanta gente, por tanto tempo.

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    Governantes não deveriam nem podem cruzar os braços, mas até quando há vontade política e recursos o combate ao crack é complexo. Como um mal relativamente recente, não há uma cartilha para gestores envolvidos no processo.

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    Algumas iniciativas, no entanto, começam a chamar atenção por seus resultados positivos – ainda que não se possa dizer que há uma vitória contra a droga. Em São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista, a política de abordagem aos dependentes químicos é apontada como modelo pelo Ministério da Saúde. O inusitado dessas medidas está na forma nada agressiva com que as equipes do município lidam com os usuários da droga.

    Em vez de pistolas elétricas, sprays de pimenta e outros materiais fornecidos pelo Ministério da Justiça, através do programa Crack, É Possível Vencer, assistentes sociais, psicólogos e integrantes das equipes multidisciplinares recorrem a chocolate, água de coco e muita conversa. “Em hipótese alguma usamos armas nas abordagens aos dependentes de crack. Tratamos o usuário como um doente, como um problema de saúde e não de polícia”, explica Arthur Chioro, secretário de Saúde de São Bernardo do Campo. O problema, claro, é também – e muito – de polícia. Mas a cidade tem preferido separar as ações junto aos usuários das operações policiais.

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    “Nossos agentes de saúde chegam ao local onde estão os usuários, sentam, oferecem um chocolate e tentam a primeira abordagem”, explica Chioro. Segundo ele, há no momento cerca de 250 dependentes químicos em tratamento. Esse dado – a quantidade de jovens em tratamento – é um indicativo de que há alguma política em vigor. Na capital paulista, por exemplo, a Secretaria Municipal de Saúde não sabe informar quantos dependentes de crack recebem algum tratamento no momento. O órgão limitou-se a informar que não seria possível fazer o levantamento, a pedido do site de VEJA.

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    O ponto de virada do que vem sendo feito em São Bernardo, de acordo com David Abdo Benetti, coordenador da equipe do Consultório de Rua, que busca os usuários pela cidade, é a conquista da confiança do dependente – algo dificílimo entre adolescentes fragilizados, subnutridos, muitas vezes com sintomas de problemas psíquicos e em constante estado de “fissura” pela falta da droga.

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    A tarefa não é simples. Benetti é especialista em dependência química pela Escola Paulista de Medicina e conta com uma equipe formada por médicos, enfermeiros, psicólogos e agentes redutores de dano. Em São Bernardo do Campo, conta ele, o consumo de crack costuma acontecer em locais fechados, sob viadutos. Para entrar nas “cenas de uso”, a equipe pede permissão aos dependentes. Um kit saúde com água mineral, alimentos calóricos e protetores de lábio e pele são oferecidos aos jovens, para reduzir as queimaduras pelo calor produzido pelo cachimbo usado para consumir a droga.

    “É gente que se aproxima, pergunta se alguém está com dor, com alguma lesão e oferece ajuda. Médico, psicólogo, todo mundo senta na calçada, na pedra, olha no olho. Nossa tecnologia é a conversa, o convencimento. Nós não exigimos que ninguém pare de fumar o crack de uma hora para outra. O primeiro passo é oferecer saúde para ganhar o dependente aos poucos”, conta David. “E conseguimos tirar muitas pessoas das ruas. Às vezes demora anos, mas acontece”.

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    A lógica é a de redução de danos. O conceito já adotado, por exemplo, em festas rave, onde há grande consumo de drogas sintéticas que levam o corpo a desidratar. A medida, nesse caso, é a simples distribuição de água. Certamente essa medida não impede o consumo. Mas evita o agravamento dos casos e pode ser a diferença entre a vida e a morte.

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    Atendimento – Todo o esforço de convencimento, no entanto, seria ineficaz sem uma rede de saúde articulada, pronta para manter o dependente em tratamento. Todos os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) funcionam 24 horas. A cidade conta ainda com repúblicas terapêuticas. São casas destinadas a receber dependentes em tratamento que não têm onde morar.

    “Nesses locais eles fazem comida, lavam suas roupas , começam a receber a visita de familiares. Tudo é acompanhado de perto por funcionários que se revezam em turnos, mas o funcionamento é como o de uma casa comum. A única exigência é que a pessoa vá às consultas ambulatoriais nos CAPs e participe da atividades de geração de renda. Alguns fazem artesanato, pinturas, outros fazem aulas de culinária para aprender a cozinhar e ter uma profissão. Nosso objetivo é que aquela pessoa seja reinserida na sociedade”, explica Chioro.

    O município não realiza a internação de pacientes em clínicas de recuperação. A internação para desintoxicação, quando necessária, ocorre em hospitais gerais do município ou conveniados. Esse é um aspecto a mais da dificuldade de combate ao crack. Receber usuários para desintoxicação na rede pública regular de saúde é uma alternativa viável, desde que, obviamente, essa estrutura comporte o novo fluxo de pacientes. E que esteja preparada para as particularidades desse novo tratamento.

    Conselheiro do Ministério da Saúde no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, o psicólogo Aldo Zaiden defende a política de São Bernardo do Campo. “Tirar a pessoa da droga com uma internação prolongada é mais garantido. Mas isso não garante mecanismos para que no retorno à vida normal a pessoa não volte a usar a droga. O programa de São Bernardo tira as pessoas das ruas, faz com que voltem a estudar, a trabalhar e a conviver com a família. É um bom exemplo”, afirma Aldo, que é contrário à internação compulsória, já adotada para menores no Rio e que poderá ser estendida a adultos.

    “A experiência mostra que a internação compulsória não funciona. Mais de 97% dos que são internados compulsoriamente voltam a usar o crack”, afirma.

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