Carta ao Leitor: Não temos um planeta B
A humanidade tem como unir ciência com bom senso para evitar que outros horrores como a tragédia no Litoral Norte de São Paulo ocorram
Não deveria ser assim, mas há um destino tristemente atávico, construído por inépcia e negligência históricas, que nos apresenta a cada verão a tragédia das chuvas. Desta vez foi no Litoral Norte de São Paulo, com um rastro de destruição das encostas, bloqueio de estradas e pelo menos inaceitáveis 48 mortes. Em algumas regiões o volume de chuvas, no domingo 19, foi de 600 milímetros — a taxa indica a quantidade de água por metro quadrado em determinado local e período. Detalhe: índices pluviométricos de até 100 milímetros já costumam provocar atenção a caminho da emergência.
Nos últimos anos, em decorrência das mudanças climáticas impostas pela mão do ser humano, eventos extremos da natureza deixaram de ser eventuais. São comuns e assustadores — contudo, a civilização cisma em aprender muito pouco. Em dezembro do ano passado, as chuvas mataram 27 pessoas, com mais de 30 000 desabrigados, no sul da Bahia. Em 2011, mais de 900 pessoas perderam a vida na lama da Região Serrana do estado do Rio de Janeiro, nas cercanias de Petrópolis e Teresópolis. Nos dois casos, como agora no Carnaval transformado em Quarta-Feira de Cinzas em São Paulo, as fatalidades foram resultado da pobreza que põe pessoas para morar em encostas e da ganância imobiliária que não enxerga limites. Segundo o IBGE, há 8,2 milhões de brasileiros morando em áreas sujeitas a deslizamentos e quase nada se fez para reduzir os riscos.
Tem-se a impressão de não haver solução e estarmos fadados a seguir numa toada sem fim, como se as mãos que desenvolvem remédios e vacinas fossem incapazes de avançar para conter os dramas que soam naturais, mas não são. Há caminhos de prevenção que passam pelo zelo das autoridades públicas e pelo cuidado do setor privado. Em todo o mundo, aliás, estão brotando iniciativas que ajudam a frear os danos climáticos. Muitos países têm metas ousadas de troca do combustível fóssil por energia limpa. Atualmente, os carros elétricos já representam 13% das vendas globais. Estima-se que, em 2040, no Brasil, eles respondam por 56% da frota. Vale ressaltar que a mudança de processos e mentalidade traz resultados concretos. O fator de emissão — a quantidade de gases emitida a partir da transformação de matéria-prima — caiu nos países industrializados nada menos que 40% desde o ano 2000.
São os passos iniciais (e esperançosos) de uma virada bem-vinda e necessária. Por meio de ações nessa direção, eventos terríveis como o da semana passada poderão ser minimizados nos próximos anos. Como disse o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, “não temos plano B porque não temos um planeta B”. Portanto, vamos cuidar deste. A humanidade tem como unir ciência com bom senso para evitar que outros horrores ocorram.
Publicado em VEJA de 1º de março de 2023, edição nº 2830