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Bolsonaro aposta em ato no Rio para manter poder em território estratégico

Manifestação de domingo, 21, ganha relevo por ocorrer no berço do ex-clã presidencial, decisivo para o futuro da direita encabeçada pelo capitão

Por Lucas Mathias, Ricardo Ferraz Atualizado em 19 abr 2024, 11h26 - Publicado em 19 abr 2024, 06h00

Desde que deixou o Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro vem colecionando tropeços — teve os direitos políticos cassados até 2030, passou a ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal e viu alguns de seus principais aliados selarem acordos de delação premiada que o envolvem em enroscos dos mais variados. Pois mesmo nesse turbulento cenário, o ex-presidente segue desfrutando de bons índices de popularidade e se empenha em manter sua base mobilizada e o mais barulhenta possível, dentro e fora das estridentes redes sociais. A próxima aposta do bolsonarismo tem data marcada — domingo 21, quando a ideia é dar, na orla carioca de Copacabana, demonstração de força semelhante à observada na Avenida Paulista, no fim de fevereiro. Em São Paulo, quase 200 000 pessoas agitaram bandeiras contra supostas arbitrariedades do Judiciário e o que classificam como “afronta à liberdade de expressão”.

Agora, a manifestação que se avizinha ganha novos contornos por ocorrer justamente no Rio, berço do ex-clã presidencial, território estratégico para o futuro da direita encabeçada por Bolsonaro. Ele tem promovido intensas articulações para ampliar seu arco de influência e tentar tornar competitivo seu candidato à prefeitura da cidade, o deputado federal pelo PL Alexandre Ramagem — também enredado em um inquérito, por sua atuação à frente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

TUDO EM FAMÍLIA - Michelle Bolsonaro e Carlos: enquanto ela se esforça para mobilizar evangélicos, ele cuida das redes
TUDO EM FAMÍLIA - Michelle Bolsonaro e Carlos: enquanto ela se esforça para mobilizar evangélicos, ele cuida das redes (ZUMA Press/Alamy/Fotoarena; Charles Sholl/Brazil Photo Press/Folhapress/.)

Organizado pelo pastor Silas Malafaia, tal qual na capital paulista, o ato planeja reunir parlamentares da tropa de choque bolsonarista ligados às igrejas evangélicas, como o senador Magno Malta (PL-ES) e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), e ainda a ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, de quem é esperada uma performance com ares messiânicos. A tática mira o vasto eleitorado local que se define protestante (36% do total, em comparação aos 30% registrados nacionalmente) — uma parcela dos brasileiros na qual a rejeição ao presidente Lula dispara. A análise nos círculos bolsonaristas é de que há nessa raia uma oportunidade para avançar.

Preocupado em não complicar sua intrincada situação judicial, o ex-presidente gravou um vídeo em que pede a apoiadores que não levem às ruas bandeiras nem faixas contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, o que não significa que ele não será alvo. No roteiro já riscado, caberá a Malafaia a ferina oratória direcionada ao “ditador de toga”, como diz. “Vou subir ainda mais o tom, elencando leis e fatos históricos, sem calúnia ou difamação”, promete o pastor. Já Ramagem se postará ao lado de Bolsonaro, mas não deve falar, para que não se configure campanha antecipada. “Apadrinhar um candidato no Rio se tornou essencial não apenas pelo peso eleitoral e simbólico da cidade, mas também porque, em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes evita vincular seu nome a Bolsonaro”, diz o cientista político Sérgio Praça, da FGV-RJ.

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RECORDAR É VIVER - Comemoração do 7 de Setembro, em 2022: demonstração de força
RECORDAR É VIVER – Comemoração do 7 de Setembro, em 2022: demonstração de força (Eduardo Anizelli/Folhapress/.)

Entre os líderes do PL, a expectativa é de que o ato se converta em trunfo para fincar Ramagem no tabuleiro eleitoral em que, segundo aliados, ele ainda caminha com passos tímidos. Está embutido aí o desafio de fazer do deputado uma figura mais conhecida. Nas últimas aferições, o ex-delegado disputa o segundo lugar com Tarcísio Motta, do PSOL, com intenções de voto de até 13%, enquanto o hoje dono da cadeira, Eduardo Paes (PSD), lidera com folga, na casa dos 40%. A ordem é aumentar as aparições em locais estratégicos — como em cultos, onde o roteiro prevê que receba a bênção de expoentes evangélicos — e melhorar a dicção em sessões de media training. Peças publicitárias feitas para as inserções do partido ao longo da programação de rádio e TV, previstas para ir ao ar nos próximos dias, trazem Ramagem, junto de Jair e Michelle, debatendo segurança pública, a área mais sensível à população, e reforçando pautas conservadoras embaladas sob o slogan “pátria, família e liberdade”. “Sou de confiança do clã e acho que contar com o apoio deles faz com que largue alguns metros à frente”, arrisca Ramagem.

Com a franca dianteira de Paes, o projeto bolsonarista é situar Ramagem entre a direita e o centro do espectro ideológico, num esforço para empurrar o alcaide mais à esquerda, tomando-lhe votos. É nesse cálculo que entra em cena o deputado estadual Rodrigo Amorim, recém-filiado ao União Brasil e conhecido nacionalmente pelo infeliz episódio em que quebrou uma placa de rua com o nome da vereadora Marielle Franco, em 2018. Antes de se lançar pré-candidato, Amorim teve o aval dos Bolsonaro, que não se opuseram por entender que ele pode dar voz a um discurso de teor radical, trazendo aos holofotes parte do ideário bolsonarista no qual Ramagem não irá navegar. Uma espécie de divisão de tarefas em uma conta sabidamente arriscada, uma vez que um pode roubar eleitores do outro. “Vamos enfatizar o tempo todo o fato de o prefeito ser o candidato de Lula”, diz Amorim, que quer elevar a temperatura no caldeirão das polarizações. O duelo tem os olhos voltados para o pleito presidencial de 2026. “Temos que trabalhar firme agora para chegarmos fortes lá na frente”, discursou Ramagem, em recente sessão em sua homenagem na Câmara Municipal.

INFIEL - O governador Castro: jogo duplo nos bastidores
INFIEL - O governador Castro: jogo duplo nos bastidores (Governo do Estado do Rio/.)

Um ponto para lá de delicado que pesa contra Ramagem é a investigação na qual, como diretor da Abin na era Bolsonaro, é acusado de ter capitaneado o monitoramento de centenas de autoridades, jornalistas e outros influentes personagens de Brasília sem qualquer autorização judicial, por meio de um software que entrega a localização dos celulares. Também recai sobre o deputado a suspeita de orquestrar o repasse de informações privilegiadas ao Planalto referentes a inquéritos enredando dois dos filhos do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Jair Renan. Os desdobramentos de tal apuração, ainda em andamento, levaram a uma busca e apreensão na casa e no gabinete de Ramagem, produzindo valiosa munição para seus adversários. A tática para rebater as inevitáveis acusações já está acertada: o candidato repetirá à exaustão que tudo não passa de “perseguição política”. Membro mais próximo de Ramagem na ex-família presidencial, o vereador Carlos Bolsonaro foi escalado para ajudar na estratégia digital da campanha.

LÍNGUA RAIVOSA - Malafaia: caberá ao pastor subir o tom contra Alexandre de Moraes
LÍNGUA RAIVOSA – Malafaia: caberá ao pastor subir o tom contra Alexandre de Moraes (Antonio Molina/Fotoarena/.)

A decisão de insistir no plano original e seguir com Alexandre Ramagem veio do próprio Bolsonaro, que, além de não vislumbrar alternativas no horizonte, se fiou nos laços de fidelidade que mantém com o apadrinhado. Delegado da Polícia Federal quando ele, então postulante à Presidência, levou a facada em Juiz de Fora, Ramagem acabou virando chefe de sua segurança pessoal, até escalar ao comando da Abin. O rolo em que é investigado hoje, envolvendo a agência de inteligência, já produziu fissuras que podem cobrar um preço. O governador Cláudio Castro, do PL, vai subir no palanque bolsonarista, mas faz jogo duplo: nos bastidores, pôs alguns de seus secretários para trabalhar pela candidatura do deputado federal Marcelo Queiroz, do PP, ex-ocupante da pasta da Agricultura em sua gestão. “Castro vinha sendo fiel a Bolsonaro, porém, o inverso nem sempre é verdadeiro. Por isso, ele vai colocar um pé em cada canoa”, explica um aliado do alto escalão no Palácio Guanabara. Como se vê, as costuras não param. E olha que a campanha ainda nem começou.

Publicado em VEJA de 19 de abril de 2024, edição nº 2889

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