Em março de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi informado sobre um plano de atentado contra o ministro Gilmar Mendes. Em um fórum da deep web, um terreno clandestino da internet, um usuário anônimo sugeriu um ataque em São Paulo: “É só esperar no saguão do aeroporto antes dos detectores de metais. Ir de terninho quer dizer que é estudante de direito para inflar o ego desses porcos. Ai sim será uma grande coisa (…) se não for possível pegar ele podemos ir atrás de alguém da família dele. Vamos colocar essa ideia em prática, confrades. Alguém descobre algum endereço desses animais”. As ameaças não pararam por aí, conforme mostra reportagem de VEJA desta semana. Alguns membros da Corte chegaram a receber diversos e-mails com intimidações. Num deles, uma pessoa escreveu: “Já temos em poder armas e munição de grosso calibre. Esconda seus filhos e parentes bem escondido na Europa, porque aqui você não vai ter onde se esconder. O inferno e a revolta vai cair sobre a sua cabeça. Faremos um tribunal em praça pública com direito a fuzilamento e todos os parasitas e vagabundos estatais”.
Essas e outras ameaças a integrantes do STF se avolumaram nos últimos anos à medida que a Corte passou a ter maior exposição pública e as redes sociais amplificaram ideias radicais e notícias falsas, sem qualquer controle. Para conter os ataques crescentes, em março de 2019, o ministro Dias Toffoli, então presidente do Supremo, determinou a abertura de uma investigação. O inquérito, sob os cuidados do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, passou a apurar uma rede de propagações de fake news, ameaças e calúnias que atingiam a honra e a segurança do STF, de seus membros e familiares.
Ao longo de quase dois anos em tramitação, a investigação colocou sob a sua mira 80 pessoas e resultou em 31 medidas de busca e apreensão, 26 quebras de sigilos bancário, fiscal e telefônico e 11 depoimentos de suspeitos. Essa investida inédita do STF gerou uma série de críticas de políticos e juristas que passaram a contestar a validade das apurações. “Houve uma falha inicial ao não encaminhar o caso ao Ministério Público Federal, que deveria ter sido o condutor da investigação”, afirma Oscar Vilhena, professor da FGV Direito de São Paulo.
Para os ministros do Supremo, que chancelaram a continuidade do inquérito, o impacto foi positivo. O volume de ameaças e notícias falsas disparadas contra integrantes da Corte nas redes sociais caiu em torno de 75% de 2019 até 2021, segundo levantamento do STF. Alguns radicais como a militante Sara Winter, que está em prisão domiciliar após liderar um grupo de extremistas que lançou rojões contra o Supremo, e o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que defendeu a prisão de membros da Corte e se mudou às pressas para os Estados Unidos, reduziram o tom de seus discursos públicos de ódio.
À exceção da estatística, o deputado federal Daniel Silveira divulgou um vídeo no último dia 15 de fevereiro pregando atos de violência contra o ministro Edson Fachin. O ataque gerou uma reação imediata do STF. Poucas horas depois da gravação circular nas redes sociais, o ministro Alexandre de Moraes determinou no inquérito das fake news a prisão em flagrante do parlamentar. O episódio serviu como um recado das instituições ao extremismo antidemocrático.
“O Supremo acertou quando instaurou o inquérito, porque a situação estava saindo do controle, passando do limite das críticas. Havia agressões e ameaças por parte de alguns grupos aos ministros do Supremo. Tivemos informações concretas sobre atentado à vida de ministros”, disse Moraes em entrevista a VEJA em outubro do ano passado. O ministro, assim como os seus colegas de Corte, foi obrigado a reforça a sua segurança. “Ou tomávamos uma decisão rápida ou realmente poderíamos ter tido alguma consequência trágica”, afirmou o magistrado.