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STF se prepara para julgar uma ação decisiva para a quebra de patentes

O resultado pode interferir diretamente no preço dos medicamentos

Por Luisa Purchio Atualizado em 26 mar 2021, 09h48 - Publicado em 26 mar 2021, 06h00

De um lado, estão as fabricantes de genéricos brasileiras, que se tornaram, nas últimas três décadas, as maiores empresas do setor de medicamentos do país, com produtos a preços extremamente competitivos. De outro, as grandes farmacêuticas multinacionais, donas de um arsenal de produtos globais, desenvolvidos ao custo de bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento. O campo de batalha é o Supremo Tribunal Federal, que julgará no dia 7 de abril uma mudança nas regras das concessões de patentes no país. Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5529, movida em 2016 pelo então procurador-geral, Rodrigo Janot, e que questiona a forma como se dá hoje o prazo de vigência das patentes no país, incluindo as dos remédios.

A legislação brasileira estabelece que o detentor de uma patente tem direito à exclusividade por vinte anos (no caso de invenção do produto) ou por quinze anos (quando se dá uma melhoria de um remédio já existente). Batizada de Lei de Propriedade Industrial (LPI), a norma se alinha às práticas da maioria das economias mundiais. Da mesma forma, estabelece que, a partir da data da concessão da patente, sua vigência deve ser de, no mínimo, dez anos para as de invenção e de sete anos para as de melhoria. Não seria um problema se as patentes fossem analisadas em tempo adequado.

Patentes

Em se tratando da burocracia monumental e do serviço público pouco eficiente do Brasil, não é isso o que acontece. Enquanto nos demais países o prazo entre a entrada do processo (o chamado depósito da patente) e a concessão final leva de quatro a seis anos, por aqui o trâmite no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi) pode demorar até quinze anos. Isso significa que o fabricante de um produto que leva todo esse tempo para ter seu pedido homologado pelo Inpi terá, por lei, mais uma década de exclusividade no mercado, totalizando um período de 25 anos em que não existirá nenhum produto genérico disponível no mercado. “Essa lentidão tornou-se uma grave questão de saúde pública, em que os preços são mantidos altos por muito mais tempo. E também desestimula a competitividade das indústrias nacionais”, diz Fatima Nehmi, perita judicial e especialista em marcas e patentes da consultoria Cruzeiro/Newmarc Propriedade Intelectual.

Como base à ação que será julgada no STF, a PGR apresentou uma lista de 74 medicamentos cujas patentes acabaram estendidas no país por causa da ineficiência do Inpi. Um deles é o Caprelsa, criado pelo laboratório Sanofi para tratamento de câncer e que tem um custo de 27 300 reais, segundo o levantamento. Depositada em 1997, a patente de invenção deveria garantir exclusividade mínima à multinacional francesa até 2017. No entanto, com todos os atrasos, o prazo acabou estendido até 2021. Como uma versão genérica, por lei, pode custar no máximo 35% do valor da patenteada, isso significa que o medicamento poderia ter, há mais tempo, um concorrente à venda por menos de 9 500 reais. Essa diferença, além de pesar no bolso do consumidor, onera de forma severa os cofres públicos. Um estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) aponta que a diferença no preço provocada apenas pela extensão das patentes levou o governo a gastar cerca de 2,7 bilhões de reais no período entre 2015 e 2017, uma despesa que simplesmente não existiria caso houvesse genéricos mais em conta no mercado.

Arte patentes

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As multinacionais que realizam suas pesquisas no exterior e investem fortunas em inovação, obviamente, estão preocupadas com a possibilidade de o STF acatar a ação de inconstitucionalidade. Além do alto custo, o desenvolvimento de um medicamento implica alto risco, uma vez que de cada 10 000 compostos pesquisados apenas um chega ao mercado. Além disso, as empresas temem ser diretamente prejudicadas do ponto de vista financeiro e competitivo com os atrasos do Inpi, pois um pedido que demorasse, digamos, quinze anos de trâmite proporcionaria apenas cinco anos de proteção quando o produto chegasse ao mercado. “Se o STF concordar com a PGR, 47% das patentes em vigor hoje no Brasil cairão. É uma devastação”, diz o advogado Otto Licks, que tem entre seus clientes farmacêuticas internacionais.

A solução que agradaria a ambos os lados seria um sistema mais ágil na análise das patentes. “Ou o Inpi se adéqua ao ritmo internacional ou o investimento em ciência, tecnologia e inovação no Brasil vai cair”, alerta Elizabeth de Carvalhaes, presidente da Interfarma, organização que reúne laboratórios que investem em inovação. Em nota, o Inpi, responsável pela análise das patentes de todos os setores industriais do país, informa que tem adotado medidas para acelerar os processos e reduziu em 56% o número de pendências. O gargalo, porém, ainda é colossal. De acordo com resposta enviada pelo INPI ao STF, atualmente 143 815 pedidos aguardam decisão. Destes, 8 831 deram entrada há mais de dez anos, sendo que cerca de 3 000 dizem respeito a medicamentos. É muito para um setor crucial para o país.

Publicado em VEJA de 31 de março de 2021, edição nº 2731

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