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Aliados veem crise no RS como janela de oportunidade política para Lula

Nos dois lados da trincheira da polarização, alega-se que o momento dá ao presidente a chance de mostrar liderança e capacidade administrativa

Por Daniel Pereira Atualizado em 3 jun 2024, 16h51 - Publicado em 17 Maio 2024, 06h00

Antes mesmo do maior desastre natural da história do Rio Grande do Sul, assessores presidenciais, líderes governistas e petistas influentes defendiam um freio de arrumação no governo, considerado descoordenado, pouco eficiente e desconectado da realidade. Apesar de insatisfeito com o trabalho de sua equipe, Lula rebatia o tom apreensivo de seus aliados alegando que, no primeiro ano de seu terceiro mandato, havia se dedicado a defender a democracia, recuperar a imagem internacional do país e semear projetos. Em 2024, acrescentava, começariam a colheita e a entrega de resultados e, com eles, a recuperação de popularidade. Até agora, esse prognóstico não se concretizou. O presidente até conseguiu conter a sangria das imagens dele e do governo, que vinham derretendo desde meados do ano passado, mas não reverteu o descontentamento do eleitorado. Segundo pesquisa Genial/Quaest, 55% dos entrevistados acham que o petista não merece uma nova chance como mandatário em 2026, ante 42% que pensam o contrário. Pela primeira vez, também há mais gente dizendo que o país caminha na direção errada (49% ante 41%). O desalento impera tanto na cúpula quanto na base da República.

ALERTA - Eduardo Leite: politização da tragédia embute risco de embates e pode comprometer diálogo com o governo
ALERTA - Eduardo Leite: politização da tragédia embute risco de embates e pode comprometer diálogo com o governo (Mauricio Tonetto/Secom//)

Diante desse cenário, ministros e parlamentares aliados passaram a considerar a tragédia gaúcha uma janela de oportunidade, com potencial até para ser um divisor de águas no terceiro mandato de Lula. Um dos mais importantes quadros da oposição disse a VEJA que concorda com essa análise. Nos dois lados da trincheira da polarização, alega-se que a crise dá ao presidente a chance de mostrar liderança e capacidade administrativa, ativos que andam em falta na Praça dos Três Poderes, além de empatia com a população numa crise que sensibiliza todo o país. Se bem-sucedida, a reação oficial poderia virar uma nova marca do governo, que ainda tem como base programas antigos, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida. Poderia também reforçar o contraponto a Jair Bolsonaro, que desdenhou da gravidade da pandemia de covid-19, responsável pela morte de mais de 700 000 pessoas no Brasil, e passeou de jet ski em Santa Catarina enquanto a Bahia enfrentava uma situação de calamidade provocada pelas chuvas. O capitão foi o único mandatário brasileiro a não conseguir a reeleição desde a redemocratização, e alguns de seus auxiliares culpam justamente a postura dele na pandemia pelo fracasso nas urnas.

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CRÍTICAS - Pimenta: adversário do governador foi nomeado ministro extraordinário (Reprodução/Instagram)

Desastres naturais como o que atinge o Rio Grande do Sul costumam levar à ribalta o trabalho das autoridades e, de início, desgastam a reputação dos governantes, que, responsabilizados por problemas como falta de prevenção, podem conter a queda de popularidade ou até mesmo recuperar terreno caso se saiam bem na reação à crise. Quando era presidente dos Estados Unidos, George W. Bush negligenciou a devastação provocada pelo furacão Katrina em Nova Orleans e demorou a tomar medidas. Como consequência, sua aprovação despencou. De olho nos precedentes dentro e fora do Brasil, Lula agiu rapidamente e já visitou o Rio Grande do Sul três vezes desde o início da tragédia provocada pelas enchentes. É um bom começo, mas o desfecho da história dependerá de como a população avaliará o trabalho do governo. “O desastre climático joga luz sobre quem está no poder, e esta atenção é potencialmente muito arriscada. Qualquer vacilo ou frase mal empregada terá efeitos cataclísmicos. Quem não lembra o ‘não sou coveiro’ de Bolsonaro”, diz Marcus André Melo, professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco. “Lula e a primeira-dama, Janja, em geral, não têm sido felizes, para sermos bem condescendentes, em suas manifestações. Houve aprendizado em relação a falas sobre Ucrânia e Israel? Só o tempo dirá o que vai acontecer”, acrescenta Melo.

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MAU EXEMPLO - Bolsonaro: postura desdenhosa diante de eventos como a pandemia pode ter custado a reeleição
MAU EXEMPLO - Bolsonaro: postura desdenhosa diante de eventos como a pandemia pode ter custado a reeleição (Vilmar Bannach/Photo Press/Folhapress/.)

Depois de priorizar a agenda internacional no ano passado e relegar a pauta doméstica, o presidente está atuando em várias frentes na crise. Nas redes sociais, onde há uma profusão de mensagens falsas, veiculadas com o objetivo de disseminar a versão de que o governo federal e as Forças Armadas estão de braços cruzados diante da tragédia, Lula e Janja dedicaram atenção especial, por exemplo, ao resgate de animais. Segundo levantamento da consultoria Bites, revelado pelo jornal O Globo, a publicação em que Janja anuncia a adoção de uma cadela resgatada no Rio Grande do Sul bateu o recorde de interações no perfil da primeira-dama, superando a marca de 1,1 milhão de curtidas, comentários e compartilhamentos. O governo também se mexeu na vida real. Após operações dedicadas a salvar vidas e recuperar parte da infraestrutura destruída pelas chuvas, Lula aproveitou uma visita na última quarta-feira a São Leopoldo — um dos municípios mais afetados pelas chuvas, governado pelo PT — para anunciar um pacote pensado para ajudar as pessoas a recomeçar suas vidas. Antes do anúncio, o presidente prestou solidariedade pessoalmente a desabrigados, o que ainda não havia feito.

Em São Leopoldo, o mandatário e a comitiva de ministros anunciaram, entre outros, o pagamento de uma parcela única de 5 100 reais, via Pix, a cerca de 240 000 famílias e a autorização para saque de até 6 200 reais em contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Esse pacote para a pessoa física é um complemento a medidas voltadas para o governo estadual. Na terça-feira, o Novo Banco de Desenvolvimento, ou banco do Brics, chefiado pela ex-presidente Dilma Rousseff, anunciou a liberação de 1,115 bilhão de dólares em recursos para o Rio Grande do Sul. Na segunda-feira, 13, Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já haviam divulgado, numa reunião virtual com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), a suspensão do pagamento das parcelas da dívida do estado com a União durante três anos, o que dará um alívio de 11 bilhões de reais aos cofres gaúchos. Leite gostaria que houvesse não suspensão, mas perdão. Mesmo assim, ele mantém, desde o início da crise, diálogo aberto com o Palácio do Planalto. Um diálogo que pode ser prejudicado por uma controversa decisão de Lula.

@DILMABR/X DIVULGAÇÃo
EMPRÉSTIMO - Dilma: até a ex-presidente se apresentou para ajudar (X/Reprodução)

Como forma de ampliar, mesmo que simbolicamente, a presença do governo federal no Rio Grande do Sul, o presidente resolveu criar um ministério extraordinário para cuidar da tragédia. Para o cargo, convocou o deputado federal licenciado Paulo Pimenta, que comandava a Secretaria de Comunicação Social, pasta cujo desempenho era alvo de críticas variadas. Conhecido pela combatividade, Pimenta é considerado um candidato natural ao Senado ou ao governo do Rio Grande do Sul. É, portanto, um adversário político de Eduardo Leite. A escolha de Lula, que gerou críticas na oposição e pegou de surpresa até setores do PT, que defendiam um quadro da confiança do presidente, mas que não soasse a oportunismo eleitoral, representa uma politização do caso e embute um risco de embates desnecessários. É tudo o que os gaúchos não precisam neste momento. “Não podemos falhar em nenhuma hipótese”, disse Pimenta ao assumir a nova função, durante o evento em São Leopoldo, sob os olhares de Eduardo Leite.

PRECEDENTE - Bush: reação tardia à tragédia provocada pelo furacão Katrina
PRECEDENTE - Bush: reação tardia à tragédia provocada pelo furacão Katrina (Jim Watson/AFP)

No segundo turno da eleição presidencial de 2022, Lula perdeu para Bolsonaro por 56,35% a 46,35% no Rio Grande do Sul, uma diferença de mais de 800 000 votos. A Região Sul como um todo é considerada um reduto bolsonarista ou, pelo menos, antipetista. O desafio do presidente é reverter esse quadro. Pesquisa Genial/Quaest realizada entre os dias 2 e 6 de maio, período que engloba as duas primeiras visitas de Lula ao Rio Grande do Sul, mostrou que a aprovação ao trabalho do presidente na região subiu sete pontos desde fevereiro, e a avaliação positiva do governo cresceu nove pontos. Como a margem de erro para a região é de seis pontos percentuais, os dados foram interpretados como uma possibilidade de inversão de tendência, de desfavorável a favorável ao presidente, o que só poderá ser confirmado no próximo levantamento.

Com a polarização cristalizada, cada ponto de popularidade se torna mais importante no embate entre Lula e a direita. Professor de ciência política da Universidade Estadual Paulista, Alberto Aggio diz não acreditar na possibilidade de Lula angariar popularidade com as medidas de ajuda ao Rio Grande do Sul. Na visão do especialista, o presidente estaria jogando não para ganhar, mas para evitar uma derrota — o desgaste de imagem que certamente ocorreria em caso de inércia do poder público. “É só comparar com a postura do governo na pandemia. Bolsonaro foi muito displicente diante de uma tragédia visível, com mortes em escala inimaginável”, declara Aggio. A atuação de um líder diante de uma tragédia pode até não o consagrar, mas tem potencial de sobra para prejudicar sua carreira e sua biografia. Bolsonaro está aí para provar.

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Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893

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