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A inteligência está na diferença

A vida será chata se houver espaço só para pensamentos iguais

Por Fernando Grostein Andrade
Atualizado em 12 jul 2019, 11h59 - Publicado em 12 jul 2019, 06h30

Quem já viu o filme Pink Floyd — The Wall, dirigido por Alan Parker em 1982, lembra da cena em que um moedor de carne transforma crianças em seres humanos sem rosto. Foi profético. Dentro da lógica rapidíssima dos atuais 280 caracteres, das ferramentas de inteligência artificial que promovem posts polêmicos, além de notícias falsas, não há mesmo espaço para contradição, ambiguidade ou profundidade. O resultado é a perda de capacidade cognitiva coletiva da sociedade — afeita apenas a brigar, a erguer muros sem argumentos que os sustentem. O mundo mudou, mas o binômio direita e esquerda criado na Revolução Francesa, aliado à dinâmica das redes, continua esterilizando o pensamento multidimensional e gerando pensamentos iguais, em série — sem rosto. Está cada vez mais difícil diferenciar os robôs da internet dos robôs da vida real.

Muita gente ouve um “vá para Cuba” ou “fascista” quando ousa quebrar a simplificação do absolutismo totalitário. A turma de Bolsonaro transformou qualquer crença no desenvolvimento econômico numa negação dos direitos civilizatórios conquistados no pós-guerra. A turma de esquerda também vai nessa toada. Ser de direita é sinônimo de ser bolsonarista, e ser de esquerda é ser petista — e quem não se encaixa nesses rótulos não tem vez.

“Lançaram uma boneca que é a namorada da Barbie, abrindo espaço para o Ken poder viver seu lado gay em paz. Será a Barbie comunista?”

Durante os anos do governo do PT, promoveu-se, involuntariamente, um esmagamento das lideranças e ideias da social-democracia. Parecia que toda preocupação com as camadas mais pobres só poderia ser justa se viesse do PT. O encrencado tucano Aécio Neves, ao não aceitar sua derrota na eleição presidencial de 2014, deflagrou a caça às bruxas, como se tudo fosse um plano maligno para o Brasil virar a Venezuela.

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É possível reconhecer acertos e erros de um político, aprovar e desaprovar parte de suas práticas, ponderar o contexto histórico e, ainda assim, desejar renovação. É possível criticar a Igreja Católica pela caça aos LGBTQs e, ao mesmo tempo, apreciar a sabedoria de muitos padres, a beleza da arte sacra e reconhecer os avanços que a fé pode provocar em algumas pessoas.
Lançaram uma boneca que é a namorada da Barbie, abrindo espaço para o Ken viver seu lado gay em paz. Será a Barbie comunista? O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, proferiu um ataque a Bolsonaro — seria ele um bilionário comunista disfarçado? Só pode ser! Essas nuances, os algoritmos não veem. A vida será sempre muito chata se houver espaço apenas para pensamentos iguais. A inovação invariavelmente surge da divergência. O monopólio do bastião da moralidade não pertence a ninguém. Por que não combater o rombo nas contas públicas também legalizando a maconha, como fazem a Califórnia e o Colorado, cobrando um imposto de herança na casa dos 40%, como ocorre nos EUA, ou taxando igrejas? Infelizmente, o debate hoje é tão tóxico que não há espaço para ideias que não sejam alinhadas ao autoritarismo. Já passou da hora de inventar uma classificação não binária para os pensamentos políticos. Está na hora de os gigantes da tecnologia reconhecerem sua contribuição para o emburrecimento coletivo. Está na hora, enfim, de evoluir.

Publicado em VEJA de 17 de julho de 2019, edição nº 2643

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