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Por Sérgio Martins
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Mick Jagger, o pai coruja

O dia em que usei meu filho para amolecer o coração de um Rolling Stone

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 23h27 - Publicado em 25 fev 2016, 16h17
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Mick Jagger – Foto: Ivan Pacheco/VEJA.com

Em 2003 eu estava cobrindo a inauguração da Walt Disney Concert Hall, nova sede da Filarmônica de Los Angeles, quando Carmen Botelho, assessora de imprensa da Warner, me faz uma oferta impossível de se recusar. “Os Rolling Stones estarão em Nova York semana que vem. Eles irão falar sobre seu novo DVD e temos vaga para um veículo de imprensa brasileiro. Você estaria interessado?” Rapidamente entrei em contato com a minha editora, Isabela Boscov, que me deu carta branca para me deslocar de Los Angeles para Nova York. Na segunda-feira, eu passei o dia inteiro viajando da costa oeste para a costa leste. E no dia seguinte, haveria um encontro com o relações públicas dos Rolling Stones, que nos explicaria quando e como a conversa com o grupo iria acontecer.

A entrevista seria num esquema chamado round table, ou seja, um pequeno grupo de jornalistas, cada um vindo de um determinado país  (o meu grupo tinha repórteres da Alemanha, da Itália e da França. Eu era o representante do Brasil). Keith Richards e Ron Wood falariam por vinte minutos. Depois, haveria outros vinte minutos com Mick Jagger e Charlie Watts.  As pessoas presentes na round table estavam automaticamente convidadas para a festa de lançamento do DVD, que ocorria à noite numa discoteca no East Village. Contudo, era terminantemente proibida qualquer pergunta posterior ao grupo. Havia ainda um assunto sobre o qual eles se recusariam a falar. Foi nessa hora que eu senti que minha matéria poderia ir por água abaixo. Obviamente, o filho que Mick Jagger teve com Luciana Gimenez seria uma das pautas abordadas na minha entrevista. No entanto, os Rolling Stones estavam mais preocupados com sua situação econômica do que qualquer desconforto de ordem pessoal. O único assunto tabu era o contrato milionário que eles assinaram com a cadeia de lojas Best Buy, que iria distribuir o novo DVD com exclusividade.

Como bem pontuou o radialista e ex-VJ Fabio Massari, entrevistas com Keith Richards e Mick Jagger têm diferenças gritantes. Richards é o bêbado do boteco, o sujeito que vai te abraçar como se fosse seu amigo há décadas (um ritual que ele repetiria comigo sete anos depois, quando falei com ele sobre Vida, sua autobiografia), vai dar risada e contar piadas. Mas há pouca substância ou informação em suas respostas. Jagger, contudo, é outro esquema. Tem uma memória extremamente seletiva e nunca se lembra de qualquer momento constrangedor que tenha passado com os Rolling Stones ou na vida pessoal. Fala o que quer, quando quer e da maneira que se lembra. Em compensação, é o sujeito que vai dar a você as respostas mais diretas e a frase que vai ilustrar a matéria. Dito e feito. Keith Richards chegou bamboleando e respondeu ao questionário dos jornalistas. Na única oportunidade que tive, questionei se ele nunca iria lançar um disco com standards de blues – o guitarrista tinha feito coletâneas de blues e de jazz para a revista inglesa Mojo. “Garoto, não tenho coragem para isso!”, respondeu (na verdade, o termo que ele usou foi “balls”).

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Em seguida, entraram Mick Jagger e Charlie Watters. Jagger cumprimentou todos os jornalistas presentes, fazendo questão de dizer em volta alta a qual veículos eles pertenciam. Depois, virou-se para o seu secretário e ordenou que a transcrição daquela entrevista estivesse presente em sua mesa na manhã do dia seguinte. Um jornalista alemão comentou sobre a autobiografia do ator Helmut Berger, que havia sido recém-lançada no país. Numa das partes mais polêmicas, Berger confessou que ele e Jagger iam para o mezanino de hotéis cinco estrelas e urinavam no povo que ficava no térreo. “Não me lembro disso, sabia?”, despistou, abrindo seu largo sorriso. “Berger era o namoradinho do Luchino Visconti, não?”, perguntou, mudando o foco da pergunta. Esperei outras duas questões até entrar no assunto Lucas Jagger. Mas como entrar? Bem, Lucas e meu filho nasceram no mesmo ano: Lucas é de maio, Noel (nome do meu filho) é de setembro. E percebi que Noel assimilou certos gestos meus. Coisa boba, como entrelaçar as mãos por trás da cabeça, algo que copiei do meu pai – um tique que chegou à terceira geração! A minha pergunta teria então de apelar para o sentimento paterno.

“Senhor, Jagger, o senhor tem um filho brasileiro”, comecei. “Sim, eu tenho”, respondeu ele de maneira seca. “Não quero fazer polêmica, tenho apenas uma curiosidade. Tenho um filho da mesma idade que o senhor e percebo que ele imita muito do meu gestual. O seu filho o imita?” Jagger abriu então um sorriso. “Semanas atrás ele esteve em casa. Eu coloquei (I Can´t Get No) Satisfaction para tocar e Lucas saiu dançando. Sabe que ele dança da mesma maneira que eu fazia quando era jovem?” E até Charlie Watts se envolveu na conversa. “Que menino esperto, Mick!” A resposta deu abertura para mais uma pergunta. “O senhor o vê com frequência?” “Sim, às vezes ele vai me visitar. Em outras, eu viajo para vê-lo.” “O senhor também conversa muito com a mãe de Lucas?” A resposta foi um lacônico sim. Foi a senha para entender que o assunto havia chegado ao fim e que eu tinha alcançado o meu objetivo. Deu ainda tempo para uma pergunta, na qual Mick Jagger mostrou saber se sua importância e de seu grupo para a história do rock. Perguntei se ele achava que os Rolling Stones estão para o rock como Duke Ellington está para o jazz. Se as canções deles poderiam ser consideradas standards. “Sim, somos para o rock o que Duke Ellington foi para o jazz. E você pode acreditar que enquanto estamos conversando, em alguma garagem, de algum lugar do mundo haverá uma banda tocando as minhas composições.” Ótimo, eu tinha a minha resposta pessoal e uma declaração à altura de Mick Jagger. À noite, na festa de lançamento do DVD, um jornalista italiano cumprimentou a minha mãe por causa da entrevista ter virado uma declaração de amor de Jagger ao filho. Eu repliquei, dizendo que ele teria tido a mesma atitude caso o Rolling Stone tivesse tido um filho com uma italiana. Ele deu risada e acabou concordando com meu ponto de vista.

No dia seguinte, liguei para meu editor, Carlos Graieb, que pediu que eu mandasse urgentemente uma nota sobre Jagger e Lucas. Fiz então uma pequena matéria sobre a declaração de amor de Mick ao filho. Na outra semana, já no Brasil, preparei uma grande reportagem sobre os Rolling Stones, seu DVD, e de como se transformaram numa máquina de fazer dinheiro. Tempos depois, entrevistei Luciana Gimenez para uma matéria de televisão e soube que ela tinha o meu artigo enquadrado em seu escritório. “Foi uma das raras vezes que ele comentou sobre o filho”, confessou. Sinceramente, não sei dizer se Mick Jagger foi pego de surpresa pelo meu questionamento ou estava preparado para uma eventual pergunta sobre Lucas – ele sabia de antemão que havia um brasileiro na mini-coletiva. Mas para mim, ficou a lição de que qualquer pergunta é válida desde que se saiba como e quando perguntar. Às vezes, a celebridade pode repelir seu questionamento, dizendo que não deseja tocar no assunto. Em outras, pode dar uma resposta espirituosa sobre por que não vai falar sobre aquilo. Ou então pode se virar com uma jogada a la Jagger, ou seja, te presentear com uma declaração que vai virar a alegria da matéria. Neste sábado eu e Noel iremos assistir aos Rolling Stones. Será a minha terceira vez e a primeira dele. Espero que Lucas esteja no estádio do Morumbi, tentando assimilar os rebolados do pai. Quanto a Noel, bem, de todos os tiques que ele tenha herdado de mim, rezo para que nunca tente dançar igual ao pai. Porque não existe nada mais constrangedor e digno de gozações eternas do que meu pseudo rebolado Coisinha de Jesus.

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