Reportagem esconde que o governo federal cortou R$ 1,5 bilhão da segurança pública e que SP responde por 13,68% da elevação do gasto total na área
O Estadão é, de longe, o veículo de comunicação que mais faz alarde com o recrudescimento da violência em São Paulo. Até porque, tudo indica, os jornalistas que se dedicam à área no jornal têm espaço para exercitar, digamos, suas teses sobre a violência. Quem abrir agora a seção “São Paulo” do portal ficará com […]
O Estadão é, de longe, o veículo de comunicação que mais faz alarde com o recrudescimento da violência em São Paulo. Até porque, tudo indica, os jornalistas que se dedicam à área no jornal têm espaço para exercitar, digamos, suas teses sobre a violência. Quem abrir agora a seção “São Paulo” do portal ficará com a impressão de que o estado vive não um surto de violência, mas um colapso na segurança. No post anterior, trato de dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Como se vê lá, o governo federal cortou, em 2011, no primeiro ano da gestão de José Eduardo Cardozo à frente do Ministério da Justiça, 21% (na verdade, 21,26%) das verbas em segurança pública. Também ficamos sabendo que São Paulo, no ano passado, ficou em último lugar no ranking de homicídios: 10,1 por cem mil habitantes.
O Estadão Online também publicou uma reportagem sobre dos dados do fórum. Mais completa, no que concerne aos dados, do que a do Globo. Não destacou no lead o corte de gastos do governo federal; não destacou no lead os números de São Paulo — e há outros ainda mais impressionantes. Nada disso! A “pegada foi outra”. Título da reportagem: “Crescem gastos com segurança pública no Brasil, diz ONG”.
Como? Pois é… Se o governo federal reduziu o investimento na área e se os gastos cresceram, estados fizeram o que o governo federal não fez. Qualquer jornalista sabe que, numa reportagem, a hierarquia de dados é fundamental para dar, digamos, o tom do noticiário. Se o governo federal se diz preocupado com a violência em São Paulo e se inicia uma cruzada política contra autoridades do estado em razão do tema, como é que esses dados não são o destaque principal?
Ora, trata-se de uma escolha editorial, e o alinhamento do Estadão com a metafísica petista, especialmente nessa área, não surpreende. Reproduzo trechos da reportagem do Estadão Online. Vocês verão o que mais deixou de merecer destaque. Volto em seguida.
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Apesar de os gastos com segurança pública terem aumentado 14,05% entre 2010 e 2011 no Brasil, atingindo R$ 51,55 bilhões ao ano na soma dos Estados e União — valor mais alto já investido no setor —, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destaca que “os problemas associados à segurança pública precisam ser vistos de forma integrada” e “não podem ser objeto de ações fragmentadas”, sem a integração de municípios, Estados e União no processo. Os dados fazem parte do 6.º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo fórum, com levantamento realizado a partir do cruzamento de dados da Secretaria do Tesouro Nacional e do Ministério da Fazenda.
De acordo com o anuário, lançado nesta terça-feira na sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), região central da capital, o Estado de São Paulo continua sendo o que mais investe em segurança pública no País, com aumento real de 13,73% entre 2010 e 2011 – o Estado investiu R$ 12,3 bilhões no ano passado. Mato Grosso do Sul e Bahia ampliaram seus gastos com segurança em 37,7% e 30,81%, respectivamente, atingindo R$ 877,85 milhões e R$ 2,57 bilhões. Em contrapartida, as despesas da União com o setor registraram recuo de 21,26%, passando de R$ 7,2 bilhões em 2010 para R$ 5,7 bilhões em 2011. Piauí e Rio Grande do Sul também reduziram as verbas da pasta em 17,89% e 28,42%, destinando, respectivamente, R$ 239,77 milhões e R$ 1,88 bilhão para a segurança.
Com base nos dados computados no ano passado, o número de homicídios dolosos caiu 3,7% no Estado de São Paulo, passando de 4.321 em 2010 para 4.194 em 2011, o que representou uma queda de 10,5 para 10,1 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, a taxa mais baixa entre os Estados que emitem dados considerados de alta qualidade pela ONG. Entre esses estados, Alagoas é o que apresentou as taxas mais altas de homicídios por grupo de 100 mil habitantes, com 74,5, seguido por Espírito Santo (44,8), Paraíba (43,1) e Pernambuco (36,7).
Não foi computado o número total de homicídios no País. De acordo com a assessoria de imprensa da ONG, nem todos os estados forneceram dados confiáveis sobre a segurança pública e por isso não foi possível traçar um quadro nacional de homicídios.
(…)
Voltei
Então vamos lá.
1 – O governo federal reduziu suas verbas;
2 – São Paulo tem o mais baixo índice de mortes por 100 mil habitantes;
3 – São Paulo aumentou seu gasto com segurança em elevadíssimos 13,73% de 2010 para 2011;
4 – São Paulo investiu em 2011 R$ 7,2 bilhões na área, contra R$ 5,7 bilhões do governo federal — 26,31% a mais;
5 – Fiz escola pública antes do Enem de Haddad. Jornalistas gostam de ideologia salvacionista. Gosto de contas. Informa o Estadão que, de 2010 para 2011, houve um aumento no gasto total com segurança de 14,05%, chegando a R$ 51,55 bilhões. Certo! Logo, leitor, R$ 51,55 bilhões correspondem a 114,05% do que se gastou em 2010. Regra de três, e se chega ao gasto do ano anterior: R$ 45.199,473 — um aumento em reais de R$ 6.350.522. Vão acompanhando…
6 – Em São Paulo, gastaram-se R$ 7,2 bilhões em 2011, com elevação de 13,73% — logo, essa dinheirama corresponde a 113,73% do que foi gasto em 2010. Regra de três, e se chega ao valor de 2010: R$ 6.330.783 — um aumento, em reais, de um ano para outro, de R$ 869.217.000.
7 – Assim, dos R$ 6.350.522 investidos a mais em segurança em todo o país, São Paulo, sozinho, arcou com 13,68%. E Cardozo quer dar lições ao Estado.
Viés crítico
Não, senhores! Não pensem que isso é o bastante para ser ao menos justo com São Paulo. Lê-se lá no texto do Estadão:
“A secretária executiva do FBSP, Samira Bueno, ressalta que, apesar de a prerrogativa da segurança ser do Estado, tanto municípios quanto a União precisam participar do processo. (…) No caso específico de São Paulo, que enfrenta uma escalada da violência, Samira defende que o governo federal ajude o estado com inteligência e não apenas com o envio de recursos. “Tem de trabalhar de forma integrada desde sempre, não apenas agora, na crise. Assim se resolvem mais crimes interestaduais, já que o crime organizado não respeita fronteiras”, afirmou.
Com relação ao repasse de verbas, ela não acredita que seja necessária ajuda financeira da União. “São Paulo já tem o maior orçamento de segurança pública do País e está aumentando, não é o caso de colocar mais dinheiro. É uma questão de gestão. Não é gastar mais, é gastar melhor”.
Voltei
Samira diz o óbvio e não vejo intenções sub-reptícias — não em sua fala ao menos. Qualquer governo precisa gastar melhor, não só o de São Paulo, não é mesmo? Teria o governo federal capado, de um ano para outro, R$ 1,5 bilhão da Segurança Pública só para “gastar melhor”?
De resto, há evidência de que se gasta melhor em São Paulo, conforme evidencia a índice de homicídios dolosos por 100 mil habitantes.