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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Procurador da Lava Jato deixa de ser mocinho e decide ser bandido

Se “os que não estão cem por cento com a gente estão contra nós”, então é forçoso reconhecer que, não sendo o sujeito um “mocinho”, será um “bandido”

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 8 mar 2017, 07h45 - Publicado em 7 mar 2017, 17h01

Calma!

Antes que o procurador da República Marcelo Miller decida me processar, farei a minha defesa prévia. Quem sabe ele desista. Mas, primeiro, é preciso informar algumas coisas ao leitor eventualmente desavisado.

O Estadão informa que Miller, que era um dos “Golden Boys” de Rodrigo Janot na Operação Lava Jato, decidiu deixar o Ministério Público Federal. Agora vai ser advogado. E vai se dedicar à área de compliance. O que é mesmo? Desenvolver procedimentos que evitem ou eliminem práticas criminosas.

Imaginem quanto vale — não me refiro necessariamente à questão pecuniária — um procurador que teve acesso ao que de mais, como posso dizer?, “fanático” já se produziu no Ministério Público. E ele não atuou em coisa pequena, não! Por ele passou parte dos procedimentos que resultaram na delação da Odebrecht e as denúncias do ex-senador Delcídio do Amaral.

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E agora a devida e necessária explicação da antítese “mocinho-bandido”.

Vim ao mundo sem a chave do maniqueísmo. Não a cena entre bandidos e mocinhos, entre Mal Absoluto — conceitualmente, aceito a categoria — e bem absoluto (idem). “Como? Você, que inventou o termo petralha, diz não ser maniqueísta? Sim, eu!

“Petralha”, está no blog e em livro — e, se a palavra é criação minha, a definição também! —, é, na acepção primeira, o petista que justifica roubo de dinheiro público em nome da causa. É uma palavra contra o maniqueísmo dos idiotas. Um petista que seja fiel às barbaridades do partido, mas que não proceda a essa justificação, não é um “petralha”. Um petista que apenas rouba dinheiro, sem pensar na suposta causa pública, não é um “petralha”. É só um ladrão. Palavras, no entanto, vão sofrendo deslocamentos de sentido, não é? Daí que, às vezes, o primeiro pode até se perder em favor da variante. Estudem, por exemplo, a origem do vocábulo “bizarro”…

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Assim, admito que “petralha” possa ser usado, então, por metáfora, em sentido mais amplo: qualquer um, de qualquer partido, que fosse flagrado roubando dinheiro público “em nome da causa” pode, sim, ser considerado um “petralha”. Não importa o campo ideológico. Se um auxiliar de João Doria, por hipótese, para citar uma das obsessões das esquerdas, fosse flagrado fazendo lambança em nome de um projeto, bem, ele seria um… “petralha”.

O “petralha”, em suma, é um fascista de esquerda ou de direita que sobrepõe os interesses da hora a valores que são universais, que civilizam, embora se considere, essencialmente, uma pessoa de moral reta e que apenas é obrigada a se vergar às coisas como elas são.

Volto ao ponto
Não vejo o mundo segundo a ótica de “mocinhos” e “bandidos”. Essa oposição, que encontra terreno fértil na política, degrada o ambiente público. Vejam os dias presentes. A Lava Jato revelou que o país estava sendo governado, na prática, por uma máfia organizada. E isso, em si, só poderá fazer bem aos brasileiros, que têm de ficar mais espertos.

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Mas, e já faz tempo, os senhores procuradores decidiram que as leis vigentes — que lhes permitiram a maior devassa de que se tem notícia em esquemas criminosos — são insuficientes. Até aí, bem… Poderiam ser. Então que sejam mudadas segundo as regras da democracia. Nada disso! A Lava Jato hoje é a lei. E se entrega ao desplante de aplicar penas — na verdade, um acordo camarada com delatores — ao arrepio da ordem legal. São capazes de incendiar consciências com teses doidivanas (dada a estrutura judiciária que temos),  como o fim do foro especial, o que conduziria o país à paralisia e, depois, à anarquia.

E por quê?
Bem, eles são os “mocinhos”, e os outros são os “bandidos”. E que se note: entra nessa categoria até quem comete a ousadia de cobrar que as leis sejam cumpridas. “Como assim? Se o Mocinho diz ser necessário ignorar as regras, então é necessário ignorá-las.” E qualquer um que oponha óbice ou é um legalista cretino ou é um “vendido” sabe-se lá a quem.

Outro dia me dizia um interlocutor: “Ora, Reinaldo, é claro que o PMDB, o PSDB e o PT estão tramando contra a Lava Jato…”.  E eu: “Como assim?” E ele: “Você acha que eles estão contentes com o resultado?”. E eu: “Estar descontente e tentar se livrar da acusação é parte do jogo democrático…”. Ele não entendeu. Pus fim à conversa. Sim, já disse a mim faz tempo, mas, às vezes, caio em tentação: debater com um idiota é perder de maneiras distintas e combinadas. Perde-se tempo. Perde-se a paciência. E se perde o debate propriamente porque ele só entenderá argumentos idiotas — e, nesse quesito, o imbatível é ele, não você.

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Se “os que não estão cem por cento com a gente estão contra nós” — e é isto o que está em curso —, então é forçoso reconhecer que, não sendo o sujeito um “mocinho”, será um “bandido”. E é só nessa acepção metafórica e errada, que é da Lava Jato, não minha (expus acima os meus critérios), que o procurador Miller “deixa de ser mocinho e decide ser bandido”.

Ordem nas coisas!
Ninguém é obrigado a ser um procurador da República. As pessoas ocupam essa função porque querem, depois de passar por crivo, o concurso. Qualquer constitucionalista sabe — e também o sabem os procuradores — que as funções do Ministério Público estão envoltas em névoa até na Carta Magna. Para começo de conversa, criou-se um órgão que, por não ser Legislativo, Executivo e Judiciário, tenta ser tudo isso ao mesmo tempo, mas dotado de algumas prerrogativas que são de polícia.

É claro que isso excita um tanto as almas incontidas, não é? Quando menos se espera, lá estão os procuradores decidindo sentenças…

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Independentemente de o MPF vir a ter ou não o seu papel clarificado, é claro que não é aceitável que um membro da Lava Jato, que teve acesso aos arcanos da investigação; que desfrutou do poder quase absoluto e, com frequência, discricionário, não poderia, sem mais nem aquela, sem uma longa quarentena — nem sei de quanto! —, passar a exercer a advocacia.

Aliás, na minha República — SOU, AFINAL, UM LIBERAL E CONTINUO A ACHAR QUE A CONTRADIÇÃO ESSENCIAL SE DÁ ENTRE ESTADO E INDIVÍDUO —, carreiras de estado obedeceriam a exigências bem mais rigorosas. O indivíduo teria de estar certo de que é aquilo que quer porque, se desistir, não poderá exercer função correlata no setor privado. Por quê?  Quem tem a prerrogativa de manipular os instrumentos de coerção do estado não pode, depois, pôr essa expertise a serviço dos que tentam se livrar dessa coerção. Se o faz, vira um mero argentário da ordem legal.

E não vai aqui crítica nenhuma aos senhores advogados. Defendo, de forma inequívoca, as suas prerrogativas. Aliás, acho que certos textos da imprensa que sugerem que defensores de acusados “ofendem” o juiz Sergio Moro, quando a altercação é normal, é coisa de gente que não sabe o que é uma sociedade livre. Mas vamos com calma! É admissível que um presidente de banco privado se torne presidente do Banco Central. Mas me parece inadmissível que, do dia para a noite, um presidente de Banco Central resolva, sei lá, atuar no mercado de dólar e euro…

Sou um liberal bastante ortodoxo, sabem? Não se misturam carne e leite. “Não cozinharás o bezerro no leite de sua mãe”. E eu acho que o procurador Miller e outros que optarem por esse caminho estão cometendo um grave pecado. Contra o estado liberal.

Encerro
Na luta do bem contra o mal, há o mocinho bonitão, em oposição ao bandido de maus bofes, que cospe entredentes. Depois há o cavalo garboso do herói, ele mesmo um destemido além das quatro patas. E há o cavalo do bandido, para quem ninguém dá bola.

Nessa história em curso, adivinhem quem vale ainda menos do que o cocô do cavalo do bandido…

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