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Erico Verissimo é um antídoto para a doença da polarização – parte I

Erico Verissimo não foi "apenas" um contador de histórias, mas um liberal-humanista que soube entender e concretizar os anseios da nascente classe média

Por Maicon Tenfen 1 Maio 2018, 08h28

Erico Verissimo já estava com 25 anos quando chegou à capital do Rio Grande do Sul para tentar a vida como jornalista, escritor ou até mesmo funcionário público.

Havia acabado de assistir ao último ato de um espetáculo tragicômico que encenou a derrocada financeira de sua família, outrora uma das mais abastadas da pequena e distante Cruz Alta, e a lenta desagregação do casamento dos pais. Trazia 500 mil réis no bolso, uma máquina de escrever portátil na mão esquerda e, na direita, uma mala socada de roupas e textos datilografados em espaço duplo — seus primeiros passos na vereda literária —, sem falar nas experiências profissionais, todas frustradas, que já tivera como comerciante, bancário e farmacêutico. A pacata e provinciana Porto Alegre, que em 1930 contava com menos de 250 mil habitantes, provavelmente representava as grandes esperanças de um jovem não muito seguro de si e com a cabeça cheia de ideias que não se ajustavam a um mundo cada vez mais antilírico e pragmático.

Após algumas andanças e muitas portas fechadas, finalmente arrumou trabalho na redação da Revista do Globo, na qual, dois anos antes, conseguira publicar Ladrão de Gado, seu primeiro conto. Estabelecido em Porto Alegre, já casado com Mafalda Halfen Volpe e acumulando funções nas empresas do clã Bertaso (revista, livraria e editora), dedicou-se à tradução de obras de língua inglesa e à feitura de seus primeiros livros. Assina Fantoches, contos de punho próprio inspirados e Pirandello, Shaw e Anatole France, e Contraponto, versão em língua portuguesa do romance de Aldous Huxley que exerceria enorme influência em sua literatura.

Sabe-se que a tradução foi um sucesso, reeditada várias vezes e aceita pela crítica mais severa. Já os contos acabaram destruídos por um incêndio nos depósitos da distribuidora. Como a “mercadoria” estava devidamente segurada, Erico Verissimo recebeu os direitos autorais em tempo recorde. Mais tarde, em Solo de Clarineta, sua autobiografia, comentaria ironicamente que as chamas foram as suas primeiras e mais vorazes leitoras.

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Clarissa, o primeiro romance, surgiu em 1933. É com essa obra que se inaugura a primeira fase da produção literária de Erico Verissimo, então bastante preocupado com os dramas e percalços de uma classe média (baixa) repleta de problemas de ordem prática e existencial. O relativo sucesso de público parece ter encorajado o escritor a produzir mais romances na mesma linha, inclusive com a mesma ambientação, o mesmo enfoque e, em certos casos, os mesmos personagens. Caminhos Cruzados (1935), Música ao Longe (1936), Um lugar ao sol (1936), Olhai os lírios do campo (1938), Saga (1940) e O Resto é Silêncio (1942) vão progressivamente criando um público fiel e cada vez mais abrangente que torna Erico Verissimo, ao lado de Jorge Amado, o primeiro autor brasileiro a viver exclusivamente de direitos autorais.

Essas obras, que em sua época sofreram na mão da crítica e que mais tarde encontrariam em seu próprio autor o crítico mais feroz, são marcadas por algumas constantes que não devem passar em branco. A despeito do que aconteceu à imagem de Erico Verissimo, injustamente reduzido a um simples contador de histórias (como se contar histórias fosse a coisa mais fácil do mundo), os primeiros romances demonstram a sua capacidade no manuseio da linguagem e de todos os componentes da narrativa. Nesse sentido, Caminhos Cruzados e O Resto é Silêncio são boas exemplificações das lições de Huxley, nos quais vários núcleos dramáticos são desenvolvidos simultaneamente, como no romance oitocentista, mas sem convergirem para um centro unificador, fato que torna todos os enredos principais e secundários ao mesmo tempo.

Há também, nesse primeiro momento, uma explícita simpatia por personagens oriundos de uma pequena e nascente burguesia gaúcha que, em face de um país remexido por mudanças de ordem política, tem seus conflitos recrudescidos no seio familiar e ligados ao desejo de ascensão social. Às vezes mais abertamente do que deveria, Erico Verissimo deixa que os interstícios da trama se preencham com sua ideologia liberal-humanista, sem temer os perigos do sonho e da utopia. Não por acaso os leitores de Olhai os Lírios do Campo, um de seus livros mais vendidos, escreviam ao autor em busca de conselhos emocionais e até mesmo espirituais!

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Essa primeira fase, porém, não deve ser subestimada. Apesar da desaprovação do autor maduro, consistem em boa leitura, haja vista a reimpressão dos livros ainda em nossos dias. Certos deslizes cometidos em Música ao Longe, escrito em menos de 30 dias para participar de um concurso, acabam compensados pela ousadia de Saga (considerado por Erico seu pior livro) e O Resto é Silêncio. Pertence a este último o personagem Tônio Santiago, sem dúvida o alter ego do escritor. Na cena final, durante um concerto no Teatro São Pedro, Tônio tem uma espécie de devaneio épico no qual todo o seu povo, desde as origens até à atualidade, cruzando o tempo e resistindo às intempéries do vento, desfila por sua mente inquieta de criador.

Sinal de que os personagens — e o autor — estavam prontos para voos mais altos.

(Continua amanhã).

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