Está tudo ficando numa boa para Bolsonaro, e a continuar assim, mesmo com pandemia, este ano terá sido melhor para ele do que foi 2019. Aquele abraço efusivo no ministro Dias Toffoli, seguido por generosas fatias de pizza regadas a vinho de boa marca, acabou por selar a paz entre o presidente e o Supremo Tribunal Federal.
Quem ouviu falar mais do inquérito das fake news aberto por Toffoli e conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes que fechara o cerco ao gabinete do ódio comandado de dentro do Palácio do Planalto pelo vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois? Nem do inquérito, nem do gabinete do ódio que, por enquanto, hiberna.
O presidente e o tribunal passaram o pano sobre a ocasião em que o país esteve à beira de uma crise institucional. Foi no final de maio último quando a Polícia Federal saiu à caça de bolsonaristas radicais, esculachou alguns e prendeu outros. Bolsonaro convocou sua tropa e ameaçou pôr o Supremo em recesso.
“Acabou, porra”, descontrolou-se. Novas ordens do tribunal não seriam cumpridas. Como os militares não toparam dar o golpe, Bolsonaro foi convencido a mudar de assunto e de comportamento ante o risco de o presidente da Câmara desengavetar um dos 50 pedidos de impeachment que existem contra ele.
Então, um Bolsonaro manso, humilde e amistoso bateu à porta da casa do ministro Gilmar Mendes, na semana passada, para obter a bênção dele e de Toffoli à nomeação para o Supremo do desembargador Kassio Nunes Marques, “o nosso Kassio” como é chamado pelo senador Ciro Nogueira, um dos líderes do Centrão.
Ele e Kassio sairiam de lá abençoados. Bolsonaro tem pressa em ver o nome de Kassio aprovado pelo Senado para a vaga do ministro Celso de Mello, que se despede do tribunal na próxima terça-feira. Se tudo correr rápido, são grandes as chances de Kassio herdar os processos que Celso não terá mais tempo para julgar.
Um deles: o que investiga o próprio Bolsonaro, acusado pelo ex-juiz Sérgio Moro de ter tentado intervir na Polícia Federal. Outro: o que pede a suspensão das investigações sobre Flávio Bolsonaro, o Zero Um, acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e de subtrair parte do salário de servidores públicos no Rio.
Sinal da harmonia restabelecida entre o Executivo e o Judiciário: a pedido de Flávio, o Conselho Nacional de Justiça abriu sindicância contra a promotora Patrícia Villela, que chefiou o inquérito da rachadinha. Ela e outros promotores são acusados de abuso de autoridade e de vazar documentos que incriminam Flávio.
Sinal recém-saído do forno da harmonia entre o Executivo e o Congresso: ontem à noite, o senador Renan Calheiros (MDB) reuniu em torno de uma mesma o ministro Paulo Guedes, da Economia, e Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, que haviam rompido. Maia chorou e pediu desculpas a Guedes.
Renan conversou com os dois sobre um modo de arranjar dinheiro que financie o programa Renda Cidadã. Essa é uma questão vital para a reeleição de Bolsonaro. Hoje, o ex-presidente Michel Temer é quem está mais empenhado em ajudar Bolsonaro a governar mesmo que a custa do sacrifício de o MDB ter de governar com ele.
No momento, Bolsonaro só padece de um incômodo: a gritaria dos seus devotos mais extremistas inconformados com a escolha de Kassio. Foi por isso que incumbiu o próprio Kassio de se entender com eles. Missão dada, missão que avança. Somente ontem, Kassio apaziguou os irmãos Weintraub e falou com o pastor Silas Malafaia.
É verdade que o Pantanal e a floresta amazônica ardem em chamas, restingas e manguezais estão ao Deus dará e o coronavírus, só nas últimas 24 horas, matou quase 400 pessoas, o equivalente à lotação completa de dois Boeings 737-800. Mas, e daí? Quantos milhões de brasileiros parecem ligar para isso?