Pelo menos no campo da economia, as declarações polêmicas do presidente Jair Bolsonaro podem ter pouca força para interferir negativamente nas reformas e na pauta de restauração do crescimento do país.
Por se restringirem ao campo ideológico – e, por mais que gerem até mesmo indignações – as falas presidenciais caminham paralelas ao debate econômico, que mantém em alta as expectativas do mercado.
Não por outra razão, porta-vozes empresariais e do mundo financeiro exibem despreocupação quanto à possibilidade de contaminação do ambiente de relativo otimismo desde a aprovação da reforma da previdência, cuja consolidação parece já pactuada.
As declarações em série do presidente da República, quando não revivem o enredo ideológico das décadas de luta armada, se voltam à contestação de premissas globais no meio-ambiente e outros campos, de resto alinhadas com o atual governo norte-americano.
Entre uma e outra, Bolsonaro provoca debates internos sobre temas que não deveriam, em tese, frequentar a pauta presidencial – caso, entre outros, das aulas de habilitação para motoristas amadores. Pequenas, essas causas, porém, têm poder de envolver a população nos debates que suscitam.
Como o próprio presidente tratou de avisar que não pretende mudar esse estilo polêmico, a pergunta passa a ser o quanto isso realmente interfere no processo político de transição que o país atravessa.
Aqui cabe uma reflexão. Como a pauta política no presente é de natureza econômica, é provável que o poder Legislativo continue com a autonomia na condução de medidas que devolvam vigor aos investimentos no país, porque disso dependerá o êxito eleitoral futuro de seus integrantes.
Nesse aspecto é importante observar que no período de recesso do Legislativo não se verificou nas bases parlamentares contestações de vulto contra a reforma da previdência, o que a mostra já absorvida pela população.
A reconstrução de uma centro-direita no cenário ideológico brasileiro, capitaneada pelo governador de São Paulo, João Dória, é um trilho na direção de um polo de poder que caminha independente de Bolsonaro e que se beneficia mais de sua eleição que de sua performance individual.
Essa corrente tende a passar ao largo das polêmicas presidenciais e se concentrar no objetivo essencial que é a retomada da economia, em sintonia com o mercado. Este, por sua vez, parece já ter fixado o presidente da Câmara, Rodigo Maia, como o interlocutor político para a condução das medidas necessárias à recuperação. O mesmo deverá ocorrer em relação ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, quando as reformas chegarem ao seu território.
É certo que o estilo escolhido pelo presidente da República lhe rende – e renderá mais ainda no futuro – dificuldades no relacionamento político, mas a menos que transponha o limite constitucional, não representa ameaça potencial a não ser a si mesmo. Ainda assim, o êxito da economia tenderá a desidratar as tensões que vier a criar.
Aos mais pessimistas – e aqui não vai juízo de valor – vale o pragmatismo de experientes políticos para os quais o presidente pode estar no caminho errado, mas o país está no caminho certo. Até porque, não há outro para recriar as condições de governabilidade.
Nesse contexto, não só no governo se registra a instabilidade, mas também no conflito do Ministério Público com a cúpula do Judiciário. Este, sim, um enredo de preocupação real.
Ao fomentar a insatisfação da população com a impunidade, atribuindo-a diretamente ao Supremo Tribunal Federal, os procuradores da Lava Jato correram risco consciente, mas que pode conter erros de cálculo.
As revelações de áudios e mensagens divulgadas pelo site The Intercept, por mais polêmicas que sejam, representam um striptease em um debate cujos bastidores não chegavam ao público.
A valer a posição dos próprios procuradores – respaldada pelo STF – de que provas mesmo ilícitas são válidas -, os conteúdos que vieram a público colocam a força-tarefa da Lava Jato, possivelmente, na sua mais difícil exposição até aqui.
Os procuradores, que chegaram a defender a validade de provas ilícitas obtidas de boa fé, agora se veem na situação de alvos desses conteúdos – e, pior, com investigações contra ministros do Supremo e suas famílias, mesmo sem respaldo das delações contínuamente vazadas.
Se a esses revezes corresponder, como tudo indica, uma reação da Lava Jato refletida em operações em estilo midiático, a tendência é o acirramento dos ânimos, especialmente se voltadas contra integrantes do Legislativo, que experimenta uma fase de recuperação de imagem.
A recente decisão do ministro Dias Toffoli, de impedir investigações com base em informações do Coaf, sem autorização judicial, ganha força com as ações agora reveladas do procurador Deltan Dalagnol, à margem dos protocolos formais.
Embora sustentada em dispositivo constitucional, a decisão de Tofolli teve como gatilho o episódio da investigação do senador Flávio Bolsonaro, o que deve levar a um abrandamento das críticas do presidente e de seu entorno militar à Suprema Corte.
Como se vê, há combustível mais que suficiente para o agravamento da crise institucional que caminha paralela ao processo político e econômico.
Esse é o fator imponderável em todo o contexto e que aconselha o retorno à cartilha clássica da solução de conflitos, sem atalhos e sem excessos criativos.
João Bosco Rabello é jornalista do site Capital Polítio (capitalpolitico.com)