Este ano de 2020 poderá entrar para a história do Brasil como o fim de um ciclo de desgraças ocorridas neste canto do mundo. Tudo começou pelo 7 a 1 inesquecível, imperdoável e inexplicável ocorrido no Mineirão na Copa do Mundo de 2014. O aviso teria ocorrido um ano antes. Manifestações de rua e quebra-quebra.
Dilma Rousseff não conseguiu terminar seu discurso de abertura da Copa das Confederações em Brasília. Foi vaiada impiedosamente. Joseph Blatter tentou socorrer a presidenta e tomou uma vaia ainda maior. Tempos depois ele foi substituído na presidência da Fifa, acusado de desvios portentosos de dinheiro. O sobrenatural de Almeida começou sobrevoando estádios de futebol e terminou influindo na política nacional.
Ninguém diria três meses antes da eleição de 2018 que um obscuro deputado federal, que em sete mandatos nunca apresentou um único projeto de lei razoável, se tornaria o presidente da República. Aconteceu. Pior, poucos sabiam que na realidade seria eleito um conjunto chamado de Bolsonaro&filhos, um presidente, um senador, um deputado e um vereador, devotos de um suposto cientista político, professor, ideólogo terraplanista que vive nos Estados Unidos.
Ao lado disso, emergiram pastores evangélicos ansiosos por aumentar seus rebanhos. Dessa mistura surgiu um governo errático que diante da pandemia sugeriu remédios ineficazes, enxergou uma simples gripezinha e aceitou palpites como utilizar chá de alho nas refeições para reduzir os efeitos da covid-19.
O presidente desafiou pessoalmente o vírus para o duelo definitivo. No melhor estilo faroeste. Perdeu. Foi infectado. Abandonou aquela retórica de confronto, levantou a bandeira branca entrou em confinamento no Palácio da Alvorada. Esteve cercado por médicos de plantão em regime de 24 horas, fazendo três eletrocardiogramas por dia e dispondo de leito equipado para o caso de sua situação se agravar.
Há três semanas ele percebeu que a gripezinha pode matar, até mesmo os heróis que se julgam inexpugnáveis. Murchou e se calou. Foi obrigado a adiar viagens e compromissos. Encontrou um limite físico.
Os filhos esbarraram nos limites da lei. Um confrontou o Supremo Tribunal Federal. O processo da rachadinha, entre idas e vindas, caminha. Será uma espada de Dâmocles ameaçadora sobre a cabeça do nobre senador. O outro foi pego pela ação de Facebook e Twitter que cancelaram várias contas de seguidores do presidente Bolsonaro, consequência da ação que corre sob a supervisão do ministro Alexandre de Moraes. É o processo que revela o que há por trás das chamadas fakes news.
Os esbarrões dos Bolsonaros nas fronteiras da natureza e da lei encontrou mais um limite. Desta vez, político. Talvez seja o sinal de que os tempos de pandemônio estejam perto do final. Há muito tempo, o Congresso Nacional não se mostra tão voltado para a defesa das melhores teses nacionais.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, conduziu pessoalmente o processo de reforma da Previdência no ano passado. Agora, comandou com serenidade a votação do Fundeb, que garantiu recursos crescentes para a educação nos próximos anos. Os governistas ficaram reduzidos a sete votos. Foi um massacre. A Deputada Bia Kicis (PSL-DF), vice-líder do governo, foi substituída na função. Desastre de dimensões abissais.
A discussão do primeiro ponto da reforma tributária, a unificação de PIS e Confins, começou mal. Pouca conversa. O ministro Paulo Guedes entregou o projeto e considerou seu trabalho feito. Choveram reações de todos os lados. Sobretudo do setor de serviços que foi homenageado com aumento de três vezes sobre a alíquota anterior. Passou de 4% para doze. Um espanto. Aliás, o ministro da Economia continua a praticar seu samba de uma nota só. Ele quer reimplantar a famosa CPMF, o injusto imposto do cheque.
Neste período triste da vida brasileira, alguns nomes emergiram. Sem dúvida, Jorge Jesus, no Flamengo, fez e desfez. Não sou torcedor do time, mas admito que o português renovou o futebol brasileiro. Foi embora porque não é fácil viver na insegurança do Rio de Janeiro, sobretudo na zona oeste, onde os Bolsonaros imperam.
Em Brasília, o nome que se impôs foi o do deputado Rodrigo Maia. Ele fala pouco, articula bem, se mantém firme nas suas posições. Evitou algumas medidas desastrosas propostas pelo governo federal e avançou naquilo que moderniza o Brasil. Sem agredir a convivência dos antagônicos. No cenário tempestuoso dos últimos tempos, trata-se de vitória relevante. Um valor mais alto se alevantou.
André Gustavo Stumpf. Formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou Jornalismo por uma década. Foi repórter e chefe da sucursal de Brasília da Veja, nos anos setenta. Participou do grupo que criou a Isto É, da qual foi chefe da sucursal de Brasília. Trabalhou nos dois jornais de Brasília, foi diretor da TV Brasília e diretor de Jornalismo do Diário de Pernambuco, no Recife. Durante a Constituinte de 88, foi coordenador de política do Jornal do Brasil. Em 1984, em Washington, Estados Unidos, obteve o título de Master em Políticas Públicas (Master of International Public Policy) com especialização política na América Latina, da School of Advanced International Studies (SAIS). Atualmente escreve no Correio Braziliense.