Os ministros da Saúde e das Relações Exteriores foram substituídos por pressão do Centrão e de auxiliares de Jair Bolsonaro, cuja popularidade vem despencando ladeira abaixo. A ideia dos aliados era sinalizar uma mudança de rumos no governo e de atitude do presidente em relação à pandemia, que passa por seu momento mais dramático, chegando a 4 mil mortes registradas em 24 horas. Nem dois dias se passaram após a posse e já ficou claro para muita gente que vai ser difícil dar certo. Não adianta ficar trocando fusíveis queimados, se o curto-circuito é presidencial.
A esperança da área política do governo era de que o general Eduardo Pazuello e o embaixador Ernesto Araújo levassem consigo ao menos parte da bagagem de desgaste dos últimos tempos. Na Saúde, o militar que assumiu publicamente que só obedecia foi substituído por um médico, Marcelo Queiroga, defensor de medidas de isolamento, agilização da vacinação e autor de um lema até engraçadinho — “a pátria de máscaras”. Só por isso já seria possível dizer que é melhor que Pazuello.
Na Casa de Rio Branco, a nomeação de Carlos Alberto França foi um bálsamo para os diplomatas, que tentavam sobreviver no mundo ideológico de Ernesto. Agrada também a empresários do setor agro-exportador e políticos esperançosos de que tentará recolocar no eixo da normalidade a política externa que tornou o Brasil “pária” no mundo. O chanceler parece preocupado em pacificar relações com países que podem nos vender vacinas. Na posse, França falou coisas até óbvias, e cunhou a expressão “diplomacia da saúde”. Alívio geral: afinal, um sujeito normal.
Numa esquizofrenia política raras vezes vista, porém, Bolsonaro já começou a sabotar as mudanças que fez no governo para tentar recuperar sua imagem. Nesta quarta, carregou o recém-empossado ministro da Saúde para Chapecó (SC) e, a seu lado, desfiou as bobagens negacionista de sempre. Falou da cloroquina, insinuou que quem fica em isolamento é frouxo e defendeu o tal “ tratamento precoce”, que teria sido usado no município, tornando-o exemplo de eficiência na pandemia. Esqueceu de contar que Chapecó é a terceira cidade em número de mortos no estado, e que precisou transferir pacientes para o Espírito Santos quando os hospitais entraram em colapso. O que funcionou lá, como em outros lugares, foi a suspensão de atividades não essenciais por duas semanas.
O constrangido Queiroga fez o percurso ao lado do chefe enquanto este esbravejava contra a ciência, e tem apenas duas opções: ou discorda e pede o boné, ou concorda e vai diminuindo de tamanho. Esta última possibilidade parece mais forte. Ainda que adepto de condutas adotadas no mundo todo, como o isolamento, outro dia Queiroga disse que “não haverá lockdown” — talvez num agrado ao chefe. Agora, Bolsonaro parece ter feito questão de levá-lo nessa agenda político-sanitária para mostrar que já está enquadrando o novo titular da Saúde. É isso que tentará fazer o tempo todo, como fez com seus três antecessores demitidos.
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França também não deve ter dúvidas de que, mais dia, menos dia, será alcançado pelo dedo podre do presidente. A política externa de Ernesto não era de Ernesto. Era de Bolsonaro, inspirada pelo filho Zero Três, Eduardo Bolsonaro, por Olavo de Carvalho e por expoentes da ala ideológica do governo, como o assessor Felipe Martins. E assim continuará sendo.
Quem pediu as cabeças de Pazuello e de Ernesto na tentativa de consertar as coisas vai perceber que não adianta trocar os ministros se o presidente continua igualzinho.
Helena Chagas é jornalista
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