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Por Coluna
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Aceite que dói menos?

Por que a denúncia muito tempo depois do ocorrido? O assédio e o abuso não prescrevem nunca no corpo, na cabeça, na vida da vítima. A humilhação marca.

Por Tânia Fusco
Atualizado em 16 jan 2018, 15h00 - Publicado em 16 jan 2018, 15h00
Assédio sexual (IStock/Getty Images)

A prática é tão antiga quanto a Bíblia. Mas o tema entrou na pauta das News desde que o poderoso produtor americano, Harvey Weinstein, foi acusado por boa centena de atrizes – famosas ou nem tanto – de praticar o assédio sexual como norma de conduta. Com ele, relatam elas, o teste do sofá era obrigatório.

Teste, aliás, mais mitado do que Hollywood – lá, cá e mundo afora. Tipo, sempre sabido, sempre silenciado. Até que uma das vítimas bota a boca no mundo. A atitude traz avalanche de relatos. Me too.

No mínimo, a mais ignorante e reacionária de nós poderia pensar: não era mito, é realidade. Francesas foram além. Fincaram bandeira do outro lado da causa, minimizando: “Paquera insistente e desajeitada não é delito”.

Assédio sexual é inconfundível. Acontece quando alguém usa seu poder sobre outro para conseguir sexo ou assemelhados. Paquera é outra coisa. Muito diferente. Elementar. Também não proibida desde que valha a regra: Não é não.

Assediar não é tentar seduzir. É subjugar. Há diferença grande entre uma coisa e outra. É disso que as americanas estão falando. Elementar.

“A liberdade de importunar é indispensável à liberdade sexual”, defenderam francesas and others. Importunar? Alguém que condiciona acesso ao trabalho à generosidade sexual apenas importuna? Peraí!

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Liberdade sexual, citada na carta das francesas, é justamente podermos escolher com quem, como, quando e onde vamos fazer sexo. Não quando o mais forte quer. Sim quando os envolvidos (dois, três, quantos forem…) querem, desejam. E, nesse caso, nem importa se um deles é mais poderoso. Desejo é uma coisa, chantagem é outra.

Quem denúncia fala de chantagem.

Não há paquera insistente, nem importunação (ou seria importunamento? rs) no relato das americanas. Há assédio repetido. Houve (há) histórico abuso consentido por todo o universo que cercava as vítimas – lá, aqui e mundo afora. Coisa assentada tipo: é assim mesmo que as coisas funcionam por aqui. Aceite que dói menos.

Há muitas Marilyn Monroe na história de Hollywood – sorridentes e infelizes abusadas até a morte. Não houve psiquiatra ou diazepínicos que apagasse a humilhação dos assédios vividos. Não há.

Time’s up! Dizem as Marilyns de agora. A surpresa é que outras das Marilyns, Marias, Marianas, Roses, Catherines não compreendam – neguem e reneguem – a atitude de americanas e americanos que vestiram preto no tapete vermelho do Globo de Ouro – cenário mais do que perfeito pra tirar a poeira do sofá e a purpurina do sucesso.

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Com significativa gargalhada a atriz Sharon Stone, 59 anos, respondeu sobre já ter sido assediada: “Você consegue imaginar o mercado em que eu entrei 40 anos atrás? Tendo essa aparência e vindo do meio do nada, da Pensilvânia? Eu não cheguei aqui com qualquer proteção. Já vi de tudo”.

Precisa de detalhes?

Times’s up pra toda negação do assédio. Time’s up pra Deneuve, que até já pediu desculpa pela derrapada, e todos, particularmente colegas de gênero, que ainda não entenderam: denunciar o assédio não tem nada a ver com moralismo, puritanismos. É só um basta numa velha doença social. Acabou o tempo do foi sempre assim e sempre será.

Time’s up para os argumentos:

– Mas elas viveram isso tanto tempo e só denunciaram agora?

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– Usaram para conseguir sucesso e só agora denunciam?

– Aconteceu há tanto tempo, por que só agora denunciam?

Vivemos muito tempo apertadas em espartilhos, mas um dia tivemos coragem de tirar e queimar sutiãs. Carregávamos incomodas saias longas até que cortarmos as bainhas e vestimos minissaia.

Foi também um Deus nos acuda! E as/os conservadores de sempre caíram de pau na invenção das inglesas. Mas, depois disso, ficamos um pouco mais libertas, não? Também mais bonitas, mais soltas, com mais voz. Inclusive para denunciar.

Ninguém “usa” o assédio para conseguir sucesso. Muitas se submeteram ao assediador para conseguir trabalho e com ele alcançar o sucesso. As/os de menor aptidão para o jogo sujo, menor sorte ou paciência ficaram só com o ônus do assédio. E a carga é pesada.

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Por que a denúncia muito tempo depois do ocorrido? O assédio e o abuso não prescrevem nunca no corpo, na cabeça, na vida da vítima. A humilhação marca. Pesquisas demonstram, é indelével.

Longe de Hollywood e do universo cinema, milhares de mulheres padeceram e padecem de assédio. São submetidas não por sucesso, mas questão de sobrevivência. Ás vezes, até para garantir comida na mesa. O assédio sexual é corriqueiro e próximo. Vale o mesmo para as várias modalidades de assédio.

O me too pode estar na sua casa, na sua sala de trabalho. Está na rua, na vida.

Ainda bem que as denunciadoras existem. Ótimo que estamos falando sobre. Ainda bem que há gente usando fama e glamour para tirar debaixo do tapete o velho teste do sofá.

Time’s up!

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Quilos de emojis de palmas para Ashley Judd, Eva Longoria, America Ferrera, Natalie Portman, Emma Stone, Kerry Washington, Reese Witherspoon, Angelina Jolie, Sharon Stone e cia. As denúncias delas mudarão um pouco o mundo. Pra melhor.

Time’s up no aceite que dói menos.

PS.: A palavra assédio é substantivo masculino. Mas assediar não é prerrogativa dos homens. Há assediadoras praticantes de distintos assédios. Muitas e contumazes. Bora também denunciá-las?

Tânia Fusco é jornalista, mineira, observadora, curiosa, risonha e palpiteira, mãe de três filhos, avó de dois netos. Vive em Brasília. Às terças escreverá sobre comportamentos e coisinhas do cotidiano – relevantes ou nem tanto

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