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Auschwitz, 75 anos: uma ferida na alma da humanidade

Já se passou tempo suficiente para entendermos tudo, mas talvez nunca consigamos abranger todo o significado de um crime dessa magnitude

Por Vilma Gryzinski 24 jan 2020, 10h17

Auschwitz está dentro de nós, por mais longe, no tempo e no espaço, que estejamos de Auschwitz.

Cravou-se na alma da humanidade.

Se conseguimos – como espécie – fazer aquilo, o que são todas as conquistas da civilização, os prodígios da ciência e do pensamento livre, a espiritualidade da música, a arte mais próxima de pairar acima dos limites humanos?

Como conviver com a ideia de que a louca, bombástica, megalomaníaca, espetacular música de Richard Wagner era tocada por prisioneiros judeus, que assim adiavam a própria morte? A mesma que até hoje obstinados admiradores judeus se reúnem para ouvir ou tocar em lugares não identificados em Israel?

Amar Wagner, justamente Wagner, o preferido dos nazistas, talvez seja uma das formas de conviver, até tentar curar, essa ferida. Ou desafiá-la com a força do espírito humano.

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Sem esquecê-la. Nunca pode ser esquecida.

De tantas palavras contadas e escritas, talvez as mais simples capturem algo da realidade do que foi Auschwitz-Birkenau, o infernal complexo instalado na Polônia ocupada que incluía campos de concentração e de trabalhos forçados e o centro de extermínio que devorou 1,1 milhão de vidas humanas.

Quando o Exército Vermelho, formado na maioria por russos e ucranianos, o campo e seus satélites já tinham sido “evacuados”, com os prisioneiros obrigados a marchar, em pleno inverno.

Sobravam os fracos demais para andar. Os que não tinha dado tempo de ser mortos. Uns sete mil mortos-vivos. Contou assim um deles, Bart Stern:

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“Eu me escondia debaixo da pilha de corpos acumulados porque os crematórios tinham parado de funcionar na última semana, e os corpos subiam mais e mais. Ficava lá durante a noite, durante o dia vagava pelo campo. Foi assim que sobrevivi. Em 27 de janeiro, fui um dos primeiros. Birkenau foi um dos primeiros campos liberados. Foi minha oportunidade de sobrevivência.”

Sem acesso, o New York Times deu uma pequena nota, de agência de notícias, datada de 2 de fevereiro:

“O jornal Pravda noticiou hoje que o Exército Vermelho resgatou vários milhares de prisioneiros torturados e esquálidos da maior “fábrica de morte” da Alemanha em Oswiecim, no sudoeste da Polônia.”

“O correspondente do Pravda disse que relatos fragmentados indicam que pelo menos 1,5 milhão de pessoas foram chacinadas em Oswiecim. Durante os anos de 1941, 1942 e o começo de 1943, disse ele, chegavam diariamente cinco trens em Oswiecim com russos, poloneses, judeus, checos, franceses e iugoslavos amontados em vagões selados.”

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Oswiecim era o nome em polonês de Auschwitz. Ficava perto de Cracóvia, na região chamada de Governo Geral, a parte da Polônia diretamente anexada à Alemanha depois da invasão que começou a II Guerra, em setembro de 1939.

A União Soviética, que tinha invadido e ocupado a outra parte, voltava para recuperar o território perdido quando Hitler rompeu o acordo bilateral e resolveu, fatidicamente para ele, invadir a União Soviética.

É impossível não ver a ironia de que o mesmo método de transporte de prisioneiros mencionado pelo Pravda era e continuaria a ser usado para os campos da morte gelada, na Sibéria, na própria União Soviética. Inclusive para uma parte dos soldados do Exército Vermelho que haviam suportado o grosso da luta e, finalmente, chegado à vitória.

É impossível também ignorar o modo como Vladimir Putin está tentando mudar, cinicamente, as causas da II Guerra, eliminar do mapa o peso do acordo Ribbentrop-Molotov que abriu as portas do inferno e culpar a Polônia, justamente a Polônia, pelo maior conflito da história da humanidade.

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Em Israel para as cerimônias em memória dos 75 anos da liberação dos campos, voltou a usar a inominável barbárie para seus objetivos políticos próprios.

Uma mentira vergonhosa que diminui, ao invés de glorificar como pretende, os sacrifícios imensuráveis do russos e outros povos, então na órbita soviética, na luta contra a Alemanha nazista.

Todos os convidados estrangeiros para as cerimônias alertaram para os perigos do esquecimento histórico e de uma espécie de renascimento do antissemitismo.

Apesar da obviedade, têm razão. O arco do antissemitismo contemporâneo vai do tradicional, a ultradireita obcecada com questões raciais, até a esquerda que, a pretexto de condenar Israel, entra sem pudor no campo abominável do ódio aos judeus.

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Mas para não ter dúvidas sobre o foco desse ódio, uma pesquisa da ADL, a Liga Antidifamação, organização judaica dos Estados Unidos, faz um apanhado das visões “desfavoráveis” sobre os judeus de acordo com uma amostra de países.

O resultado: Jordânia, 100%; Líbano, 99%; Egito, 98%; Marrocos, 88%; Indonésia, 76%; Paquistão, 74%; Turquia, 60%; Polônia, 27%; Rússia, 26%; Alemanha, 21%; Espanha, 20%; França, 16%; Canadá, 11%; Estados Unidos, 7%; Grã-Bretanha, 6%.

Vale a pena pensar nesses números, mesmo sabendo de todas as complexidades envolvidas. Primo Levi, o escritor e químico italiano, protagonista de inacreditáveis acontecimentos no período da guerra e depois de seu fim, sobrevivente de onze meses num dos campos do complexo de Auschwitz, sobrenaturalmente lúcido e sem autopiedade, escreveu:

“Auschwitz está fora de nós, mas ainda está à nossa volta, no ar. A praga passou, mas a infecção ainda paira e seria tolo negar isso.”

Isso foi em 1947.

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